sexta-feira, 23 de julho de 2010

MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa


A CIGARRA E A FORMIGA

Tendo a Cigarra cantado
durante todo o verão,
Viu-se ao chegar o inverno
sem nenhuma provisão.

Foi à casa da Formiga,
Sua vizinha, e então

Lhe disse: – Querida amiga,
Podia emprestar-me um grão
Que seja, de arroz,
De farinha ou de feijão?
Estou morrendo de fome.

- Faz tempo então que não come?
Lhe perguntou a Formiga,
avara de profissão.
- Faz.
- E o que fez a senhora,

durante todo o verão?
- Eu cantei – disse a Cigarra.
- Cantaste? Pois dança agora!

La Fontaine. Fábulas. Tradução de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro: Revan, 1997. P. 10.