sexta-feira, 27 de março de 2009



Autora:Marcia Kupstas
Disciplina:Literatura
Nível:Ensino fundamental
Ano:2002
Páginas:56

Informações complementares
Estilo literário:Conto
Temas abordados:Competição
Temas transversais:Consumo, orientação sexual, pluralidade cultural, trabalho, ética

A coleção Deu no jornal é o resultado de um desafio lançado a seis autores: escrever uma ficção a partir de uma notícia publicada em algum jornal. Márcia Kupstas, Walcyr Carrasco, Luiz Antonio Aguiar, Júlio Emílio Braz, Fernando Bonassi e Pedro Bandeira aceitaram a tarefa e escolheram temas e construíram histórias bem diferentes, mas todas com alguma ligação com a vida real.


Sangue veloz é uma dessas histórias: texto bem-humorado, que trata de dois irmãos muito especiais. Diferentes até nos nomes, Zeno e Gelásio, rivais desde os tempos da chupeta... E carregaram sua rivalidade pela vida afora, disputando o primeiro lugar na corrida, na amizade e até no amor de uma colega de escola!

1. Chupeta turbinada
Zeno era o mais velho. Nasceu um ano e sete meses antes de Gelásio. A primeira corrida dos dois aconteceu sem plateia ou torcida: provavelmente na sala, quando Zeno atropelou Gelásio e o deixou rodando feito louco no seu andador de bebê. Isso, enquanto o menino mais velho avançava, com suas perninhas gorduchas. Era uma disputa feroz, por um troféu bem especial: o carrinho de brinquedo, largado sobre o sofá. Foi a primeira corrida, a primeira vitória e o primeiro acidente: Gelásio manteve a pole-position durante a maior parte da sala, digo, da pista, e depois de três voltas escapando da mesa de centro, das almofadas no canto e do cachorro que latia furiosamente, acabou batendo o andador no pé da cristaleira e foi ao chão, enquanto o mano mais velho agarrava o brinquedo e erguia os braços, autêntico campeão, olhos fuzilando a vitória conquistada por seus pés velozes... Choradeira, claro. O cachorro, Pluto, uivou bastante. Um som que parecia berro da multidão, coisa semelhante à música para os ouvidos do vencedor. E se a chupeta acalmou o perdedor, também lhe serviu de consolo: era a certeza de que aquela vitória não ficaria assim. Era apenas a primeira disputa. Uma batalha perdida, nunca a guerra.
2. O prazer de colecionar

Os meninos tinham a quem puxar, no que dizia respeito a competir. O pai deles era famoso no bairro pelas coleções exóticas. Anacleto Bulhões, ainda solteiro, especializou-se em colecionar chaveiros de empresas. Aqueles chaveirinhos de brinde, que a maioria despreza nas gavetas ou perde sem reparar. Anacleto levava a coleção a sério: se tinha duplicata, trocava com vizinhos. Era capaz de telefonar para as empresas que brindavam os clientes com chaveiros incrementados, em final de ano, e pedir doações. Espalhara nas paredes quadros de veludo, para pendurar seus troféus. Reuniu em três anos um número imenso de chaveiros, algo em torno de 5 000 peças. Consultava livros de recordes, para saber se havia no mundo outro aficionado igual a ele. Mostrava a todos os amigos e visitantes a coleção... que acabou na semana seguinte ao casamento. Maria Pia reclamou: tanto veludo seria a alegria das traças. Pegava melhor, nas paredes de um lar recém- montado, espalhar quadros de paisagem ou fotos de família. A coleção acabou em muitos sacos de lixo. Foi logo seguida pela incrível coleção de latas de cerveja. Tinham de ser latas fechadas, contendo o líquido precioso. E Anacleto descobriu um Clube de Cervejeiros, colecionadores tão dedicados quanto ele, que comparavam as preciosidades e disputavam as relíquias: lata comemorativa do quatricentenário da cidade de Potokowski ou cerveja com mel da Transpomerânia do Sul. Foi paixão que durou alguns anos, até nova implicância da esposa e nova mudança de coleção. Quando o filho caçula nasceu, Anacleto descobriu um vizinho que colecionava coisa menos volumosa: chicletes. Movido pelo desejo de concorrência, Anacleto resolveu que teria coleção maior e mais interessante. Nas gavetas de dois armários gigantescos, possuía já 3 800 exemplares de gomas de mascar. Exótico, esquisito? Talvez... nada tão esquisito quanto o motivo de seus filhos se chamarem Zeno e Gelásio.
3. Zeno e Gelásio
Se o marido tinha tamanho zelo com suas coleções, Maria Pia bem que merecia o nome. Beata e também colecionadora empolgada, Maria Pia preferia as histórias religiosas. Adorava santinhos, biografias de santos, imagens antigas. Guardava os santinhos recebidos desde a missa dos 7 anos. Tinha em casa uma imensa variedade de missais e papéis com as letras das músicas cantadas nas igrejas. Além da mais completa coleção de hagiografias, ou seja, histórias da vida dos santos.
Por isso, mal engravidou, Maria Pia tratou de descobrir o nome ideal para cada filho. Conferiu calendários e leu tudo a respeito das prováveis datas de nascimento dos “frutos de seu ventre”. O garoto mais velho nasceu em 12 de abril e como era dia de são Zeno, assim foi batizado, O tal Zeno tinha sido bispo da cidade italiana de Verona, era um homem que falava bem, defendia os viajantes e os pobres. A mãe zelosa esperava que algumas dessas qualidades pudessem contagiar o filho, se fosse homônimo de santo tão expressivo. Já o caçula era do dia 21 de novembro e foi batizado com o nome de são Gelásio. Gelásio tinha sido papa! E também muito caridoso. Morreu pobre, depois de doar suas riquezas aos desafortunados. Não que Maria Pia esperasse que o filho morresse na miséria, mas bem que gostaria que a generosidade do santo contagiasse o menino. Para a mãe, pouco importava se os nomes eram estranhos aos ouvidos modernos. O essencial era a homenagem, a certeza de que os filhos mereceriam a proteção divina, mesmo que esses santos tivessem pouca adoração: eram santos, protegeriam seus filhos. Os meninos porém não revelaram os talentos esperados por serem homônimos de santos. Também não se importavam com o exotismo dos nomes ou as disputas paterna e materna. Desde cedo, descobriram para si mesmos um outro destino. Era aquela implicância especial, uma disputa íntima e ferrenha, um desejo mais forte do que eles: a vitória pela velocidade. E se a guerra já começou com fralda e chupeta, a coisa foi piorando quando os dois entraram na escola.

4. Empurrão e deslizamento

Na escola infantil Macaquinho Feliz, Zeno cursava o Maternal II e Gelásio, o Maternal 1. Era uma escolinha de bairro, em que ficavam crianças de O a 7 anos. Poucas educadoras cuidavam das duzentas crianças. Foi um menino mais velho quem descobriu a maravilha que o terreno dos fundos proporcionava: nos dias de chuva, o terreno inclinado ficava perigosamente escorregadio. Bastava pegar uma das tábuas largadas pelo quintal, restos de uma reforma inacabada, ajeitar alguém mais parrudo para ser o motor de arranque, subir sobre a tábua e deslizar! A inclinação do terreno permitia alta velocidade e, dependendo da habilidade do motorista, era possível chegar até o muro, no limite da escola. — Uma corrida! — falou Gelásio, quando um colega explicou seu plano para os meninos, durante o recreio. — As “tias” não vão deixar... — concluiu Betinho, menino sardento e com fama de medroso. — E daí? A gente faz escondido — disse Gelásio, sorrindo diante da expectativa de desafiar o irmão mais velho. Mal Zeno ficou sabendo que o mano caçula ia disputar uma corrida no terreno, topou na hora. Outros dois meninos também se aventuraram a enfrentar as professoras. E, no recreio seguinte, os quatro competidores se alinharam no alto do morro. Chovera bastante durante a madrugada, e o barro estava espesso e grudento, como era de se esperar de barro. Os “motores” eram os meninos mais gordos e altos da escolinha. Um grupo de trinta alunos espalhava-se em torno dos quatro corredores: o grid de largada estava composto por dois meninos do Maternal II e os irmãos-velocidade, Zeno e Gelásio. Para os dois garotos do Maternal II, descer a rampa era só uma brincadeira. Já os irmãos Bulhões levavam a corrida a sério. Cada um deles havia inspecionado o barro, o possível trajeto, e tinha passado suas ordens para os assessores. No momento em que a menina mais bonita da escola, Soninha, gritou o “já” que marcava o início da corrida, começou a batalha! Os alunos do Maternal II não deram para o começo. O primeiro embicou de lado e foi rolando pelo barro, acabou enlameado como um croquete frito em óleo velho. O outro garoto era meio gordo e sua tábua afundou num lamaçal mais denso. Os “Bulhões-brothers” porém enfrentaram as dificuldades com ousadia. Além do impulso inicial dado pelos empurradores, cada um deles enfiava o pé na lama, para conseguir impulso, gritava palavrões um contra o outro, forçava o corpo para a frente, controlava as tábuas com vontade e, quando Gelásio descobriu uma brecha deixada pelo mano, não teve dúvidas: jogou a tábua sobre o “automóvel” de Zeno, botando-o fora de rota. — Cuidadoooooooooooooooooo! — gritou Soninha, tapando os olhos, com medo, ao ver que Zeno deslizava perigsamente fora da reta, saindo pela lateral, voando para fora do terreno e batendo de frente na única árvore que enfeitava o pátio da escola. Enquanto os torcedores de Zeno erguiam o pobre ferido que havia se esborrachado de frente na árvore, Gelásio recolhia a glória dos aplausos dos outros colegas, ao chegar inteiro e satisfeito até o muro. Ele poderia não se lembrar do dia da primeira disputa, entre andador e chupeta, mas bem que Gelásio sentiu um gosto de vitória tardia, daquelas que vingam a alma de coisas antigas. Era a vez de Zeno perceber que seu dia também haveria de chegar, para vingar a derrota e a humilhação.

5. Tempos de paz

Nos anos seguintes os irmãos demonstraram curiosa camaradagem. Iam e voltavam sempre juntos no trajeto casa-escola, ajudavam-se nas lições escolares, gostavam dos mesmos programas na TV e tinham até os mesmos amigos, vizinhos do bairro. No dia-a-dia a vida deles era até bem tranquila. A luta mesmo acontecia na hora em que surgia uma competição que envolvesse velocidade. Aí sim, era possível dizer que se esqueciam de que eram irmãos! Bastava alguém gritar “vamos ver quem chega primeiro até ali?” e pronto! Zeno não tinha vergonha de empurrar os outros e disparar na corrida, ou mesmo Gelásio, era capaz de colocar o pé na frente de quem ameaçasse sua liderança. E ai dele, se o coitado fosse o próprio irmão! Azar dos perdedores. Importante era vencer. — Não entendo como o Zezê ainda não quebrou a cara do Gelá — falou um dia o amigo deles, Betão. — Só não fez isso porque não teve uma corrida que prestasse — completou outro amigo, Renato. Os colegas concordavam: era apenas uma questão de tempo. Ou de acontecer a Corrida Ideal, a Grande Disputa, para que a frágil aliança dos “Bulhões-brothers” se rompesse de vez. E isso foi acontecer quando os meninos estavam começando o Terceiro Ciclo numa escola nova e ambos conheciam novas matérias, novos colegas, nova menina... a novidade do amor. Apesar de mais novo, foi Gelásio quem se interessou primeiro pela loirinha Dinorah. A menina vinha de uma cidade do interior e não tinha amigos na capital. Cabelos muito claros e compridos, quando sorria ficava com a marca de uma linda covinha no rosto. O nariz era tão pequeno e delicado que Gelásio imaginou que não deveria existir no mundo alguém que tivesse nariz mais bonito. Ela estava na turma C, enquanto Gelásio ficava na turma A e seu irmão, na B. Apesar de nunca ver a garota em aula, o menino podia segui-la no pátio na hora do intervalo. E era o que sempre fazia. E logo Gelásio descobriu que havia outro menino a seguir a figura loira, quando passeava entre as colegas, no pátio: o mesmo olhar comprido e pidão, que Gelásio sempre mantinha ao fitar a sua querida, refletia-se nos olhos de seu irmão Zeno.

6. Tempos de guerra

— Nem inventa, Zeno, nem quero saber! Eu fui o primeiro a gostar da Dinorah — falou Gelásio, num certo dia em que o mano discutia sobre quem tinha o direito de paquerar a loirinha. — Duvido — falou Zeno. — Ela está a fim de mim desde o primeiro dia de aula. Eu que me interessei por ela. — Interessou, interessou.., e daí? Todo mundo na escola podia se interessar por ela. Quero ver é ela, se gosta de você.
— E de você? Ela gosta de você, por acaso? — De você é que não é. Eu pedi pra Glorinha conversar com a Dinorah... — É? — Zeno apavorou-se com a idéia de que Dinorah já tivesse escolhido o irmão. — E o que ela falou? — Ela disse que não sabe se gosta mesmo de mim. Ou se gosta de outro menino. — Está vendo? — Zeno respirou, aliviado. — Ela gosta é de mim. — De mim! — De mim! DE MIIIIIIIIIIIIIIIIIIM! Pronto! Para decidir o impasse, só havia um jeito de eles acertarem as diferenas: organizarem uma corrida. Pra valer. De bicicleta. — Bicicleta en-ve-ne-na-da — falou Zeno, saboreando as sílabas enquanto falava. — Bicicleta envenenada e... — completou Gelásio, falando bem devagar — ... e sem freio. — Numa descida — continuou o irmão. — Naquela descida atrás da fábrica fechada. — E tem de ter um prêmio — concluiu Zeno. — O melhor prêmio do mundo! Restava ver se o “melhor prêmio do mundo” concordaria em participar da disputa. Os irmãos consultaram Dinorah por suas amigas e ela, meio assustada a princípio, acabou topando: Dinorah daria um beijo, sim, no vencedor da prova.
7. Um perigo iminente

A data da disputa foi marcada: dia 12 de junho, Dia dos Namorados. Tanto Zeno como Gelásio concordaram com a data porque ambos imaginavam que o vencedor conquistaria mais do que a vitória, quem sabe o coração da menina. E um dia assim especial adoçaria ainda mais o gosto da vitória. Além do perigo da disputa em si mesma, o trajeto escolhido pelos irmãos era outro ingrediente a transformar a prova em uma autêntica batalha: a ladeira atrás da fábrica abandonada. Não há moleque no mundo que desconheça os lugares mais interessantes — e mais perigosos — do bairro. E nem Zeno ou Gelásio abririam exceção a essa bela regra. A tal ladeira, a tal fábrica abandonada, era tão atraente como lâmpada acesa para pirilampo. Era um lugar um tanto deserto, a ladeira ficava a um quarteirão da avenida e pouquíssimos carros se aventurariam pelo asfalto irregular; a fábrica não tinha vigia e a ladeira era realmente acidentada. Tudo isso marcava a disputa como momento extraordinário, um duelo de gigantes, um desafio que marcava o perigo e a temeridade dos concorrentes. Os “Bulhões-brothers” poderiam ser novos na escola, mas a disputa os transformou em seres especiais, pessoas que, mesmo desconhecidas, mal chegavam e já marcavam seu território. De boca em boca, começou a correr a novidade da corrida. O motivo. A rivalidade. As qualidades de cada concorrente. A intensidade com que cada um deles se jogava na disputa. Assim são feitas as lendas: no boca a boca. E logo, em toda a escola, os alunos se puseram a comentar o grande evento do semestre: a corrida. A corrida de bicicleta pela ladeira atrás da fábrica fechada. E, ainda por cima, o que os dois competidores disputavam era um beijo! Era ou não era uma batalha onde valia a pena arriscar perna quebrada ou nariz esfolado?

8. A torcida
A escola inteira ficou sabendo da disputa e se dividiu em dois grupos: os torcedores de Zeno e os aliados de Gelásio. Os alunos comentavam a respeito dos desafiantes como se falassem sobre atletas profissionais: — O Zeno vence porque é mais alto — falava um menino do Quarto Ciclo. — E desde quando precisa ser alto para andar de bicicleta? — zombava um dos aliados de Gelásio. — O Gelá tem pernas fortes, vence todo mundo na corrida... — Mas a bicicleta do Zeno é melhor — respondia um dos fãs do garoto. — O Gelá está incrementando a magrela dele, vai ser uma loucura! — dizia outro colega. Cada irmão arrumou seu boxe de mecânica e preparava a bicicleta com a ajuda de um verdadeiro time de auxiliares. Zeno guardou a magrela na casa do Julinho e todo dia, depois das aulas, trancava-se com meia dúzia de moleques para lubrificar a bicicleta, montar e desmontar os pneus, trocar pedais ou calibrar o selim. Gelásio, por sua vez, armou o quartel-general na casa do Ataliba, que, além de colega da escola, era primo de Dinorah. O tal Ataliba ajudava a ajeitar a magrela e também conferia seu tempo, quando Gelásio praticava loucamente pelas ruas inclinadas do bairro. Quando conseguia, o menino também perguntava sobre a loirinha. — A Dinorah disse que gosta dos dois — falava Ataliba, sem graça. — Para ela, tanto faz dar o beijo em um ou no outro. — Quando eu vencer, ela muda de idéia — respondia Gelá, certo de que não haveria garota no mundo que não se deixasse seduzir por um vencedor.
9. Dinorah

E como se sentia Dinorah, motivo da disputa, pomo da discórdia dos irmãos? Ela podia desconhecer que a expressão “pomo da discórdia” surgiu na mitologia grega, quando um deus invejoso jogou na mesa uma fruta dourada, com um bilhetes “Para a mais bela”. Bom, como tanto a deusa Minerva, a deusa Juno e a deusa Vênus achavam-se as mais belas, criou-se no Olimpo um enorme bafafá. Elas tiveram de buscar um juiz para resolver a briga e aí a história é bem comprida, resta dizer que dessa competição resultou até uma guerra.
Se Dinorah desconhecia mitologia grega e a origem da Guerra de Tróia, do que ela sabia mesmo era que se armava uma pequena guerra familiar, com os irmãos partindo para uma competição tão maluca. Ela morria de medo de ser o motivo de um deles se machucar feio... Até porque a loirinha não gostava de nenhum deles, não. Para dizer a verdade, seu coração batia mais forte era pelo Rogério, um garoto calado do Quarto Ciclo, que não andava de bicicleta, nem disputava corrida ou se interessava por esportes. Era um menino meio gorducho que ficava enterrado nos livros e tinha olhos grandes e sonhadores. — Como é que me meti nessa? — pensava a menina, confusa. — Tem de ter um jeito de azarar essa competição.
10. Lar, nem tão doce lar
Já falamos que a disputa fraterna se dava no campo da velocidade. No mais, em casa, tanto Gelásio como Zeno até se gostavam. Dividiam programas, brincadeiras, amizades. Mas depois da chegada de Dinorah e da vontade de disputar o intetesse da menina, o clima azedou de vez. Se Zeno resolvia jogar videogame, era Gelásío quem desprezava o jogo e optava por ver TV. Só para desligar o game e azarar a brincadeira do mais velho. Se Gelásio escolhia pudim de sobremesa, o irmão inventava de não poder com coisas geladas. E só restava, à pobre empregada, inventar bolo ou chocolate quente como sobremesa. Se um ligava interurbano para a avó, era o outro que achava alguma tarefa para se afastar da ligação. Ou se recebiam amigos em casa, tanto faziam que qualquer colega teria uma difícil opção: ou só era amigo de Zeno ou só amigo de Gelásio. De ambos, nunca. — Sei lá o que está acontecendo com esses meninos — falou o pai, um dia. Dona Maria Pia deu de ombros: — Os santos que os protejam... Mal sabia a mulher como era importante a proteção dos santos, num momnto como aquele!

11. Zenistas e gelasistas

Quando o mês de junho começou, a escola estava dividida de vez. Todos os alunos, mesmo os mais velhos, já conheciam Zeno e Gelásio, nem que fosse de nome, e comentavam sobre a disputa. É verdade que os professores desconheciam o motivo de tanto cochicho e fofoca, e, se desconfiassem de algo, jamais imaginariam tratar-se de uma competição de tal peso. Porque com a participação da escola toda, a Corrida Ideal estava cada vez mais com cara de batalha e de segredo: o trajeto fora definido. Os limites de largada e chegada foram acertados. Grupos de admiradores de Zeno e de Gelásio haviam conferido dezenas de vezes as regras. E todos eles agiam com o zelo de verdadeiros fanáticos, escondendo fatos dos rivais e analisando as chances de vitória de seus “heróis”. Cada vez mais, esses grupos rivais investiam em “armas”: os zenistas preferiam a artilharia dos canudos assoprados nas canetas vazias, mirando partes descobertas do corpo dos adversários. Já os gelasistas optavam pela agilidade do elástico, volta e meia acertado com precisão no traseiro de algum inimigo desatento. Não era apenas a disputa dos irmãos na corrida de magrelas, o desejo de cada um deles de receber o beijo de Dinorah. A coisa crescia, os ânimos de toda a escola se alteravam. Aquilo começou a ganhar contornos de guerra: era uma batalha estranha e feroz, a que se armava entre os grupos rivais.
12. Chegam reforços

— Eu não agüento mais essa história, você tem de me ajudar, Ataliba — Dinorah reclamava com o primo. Faltavam dois dias para a competição e na saída da escola havia acontecido a primeira escaramuça entre gelasistas e zenistas: briga feia, que terminou com cinco arranhões, quatro rostos vermelhos de tapa, oito traseiros feridos por elásticos certeiros e mais sete alfinetadas de canudinho em braços e pernas. Um massacre! — Desista do beijo — aconselhou o primo da menina. — Fala que você não vai dar beijo em nenhum, e eles param.
— Será? Do jeito que a coisa está, com beijo ou sem beijo eles vão correr do mesmo jeito — desconfiou a garota. — É, isso é verdade... eles estão que parecem malucos. Um nem olha para o outro! — Você não viu que loucura? Tiraram os freios das magrelas, a avenida termina no muro da fábrica, um deles ainda arrebenta o nariz na parede! — Todo mundo da escola vai assistir... — explicou o primo. — Verdade, Ataliba? — suspirou a loirinha. — Tem gente que disse que vai armado — completou Ataliba. — Você tem de me ajudar — falou Dinorah. — A gente precisa fazer alguma coisa. Tem de parar com essa bobagem! — E se você... — Ataliba cochichou na orelha da prima. Pelo sorriso de Dinorah, deu para ver que ela gostou, sim, da idéia do primo.
13. O grande dia

Parecia filme de bangue-bangue. O sol se pondo, lá pelas cinco e pouco da tarde em dia de inverno, esticava a sombra dos combatentes do duelo. Montados em suas bicicletas, pareciam cavaleiros que logo, logo sacariam a arma e começariam a atirar. Mal bateu o sinal da saída, os alunos correram pelos portões e espalharam-se agora pela rua — claro que zenistas de um lado e gelasistas do outro. Uma multidão barulhenta e excitada: os elásticos e bodoques eram exibidos, as réguas e mochilas eram levantadas como armas de um exército pronto a se atracar. Dois gelasistas e dois zenistas conferiam a trajetória da competição. A ladeira era realmente íngreme, uma loucura imaginar as bicicletas despencando dali, sem freios, contra o enorme e cinzento muro da fábrica. Dinorah estava na largada, sobre uma pilha de mochilas erguida especialmente como lugar de honra. Ela deveria jogar um lenço no chão, marcando o início da disputa. Quando o lenço tocasse o solo, os meninos partiriam na corrida desesperada. Foi preciso que Dinorah insistisse muito para que aceitassem pelo menos uma exceção protetora: cada um dos manos usaria um capacete. — É por você, Dinorah! — falou Zeno, sendo delirantemente aplaudido pelos zenistas. — Seu beijo é meu! — gritou Gelásio, acompanhado pelo apoio dos gelasistas de “já ganhou!”. Uma súbita rajada de vento ergueu poeira do solo. O trânsito ficava distante da ladeira, os poucos motoristas que passavam pelo local não se aproximavam a ponto de atrapalhar a competição. Últimos preparativos. Uma colega apertou a mão gelada de Dinorah, que, pálida sobre a pilha de mochilas, parecia uma estátua de deusa antiga. Os meninos cumprimentaram-se e montaram nas bicicletas. Gelasistas e zenistas calaram-se: estranho momento de silêncio. E por causa de tamanho silêncio e expectativa, foi fácil identificar o som do motor de um carro, que se aproximava rapidamente do local. O automóvel saiu da avenida e foi depressa até a ladeira. Freou em cima da multidão de alunos. A porta abriu e um homem desceu apressado do carro. Era Anacleto. O pai de Zeno e Gelásio.

14. A guerra interrompida
— Não acredito! — gritou Anacleto, olhos arregalados e cabelos arrepiados pelo vento. — Quando me contaram que vocês iam fazer isso, não acreditei... mas então é verdade? Zeno e Gelásio tinham descido das bicicletas e tirado os capacetes. Olhavam em silêncio para o pai enfurecido. — Fiz uma pergunta... então é verdade mesmo que vocês iam se jogar ladeira abaixo, em bicicleta sem freio? O silêncio emburrado dos meninos confirmou a verdade. — Que loucura! — completou Anacleto, só agora percebendo a multidão nas calçadas. — E o que essa meninada está fazendo aqui? Como ninguém respondeu, Anacleto gritou para a plateia: — Que é que vocês querem? Não têm mais o que fazer? Nenhum de vocês parou uma maluquice dessas? Vocês querem o quê, ver sangue? Bando de... Anacleto soltou outros bons desaforos para os colegas dos filhos. Um e outro garoto foi saindo de fininho. Percebendo que não ia acontecer a disputa, aos poucos, zenistas e gelasistas abandonaram o local e trataram de cuidar da própria vida. A rua ficou deserta. — O que vocês têm a me explicar agora? — perguntou Anacleto, vendo-se quase a sós com os filhos. — Quem foi que avisou o senhor? — falou Zeno. A resposta veio de Dinorah: — Fui eu que liguei para o seu pai, Zeno. — Você? Mas Dinorah, se era por você que a gente ia... — disse Gelásio. — É, Dinorah — filou Zeno. — A corrida era por um beijo seu e... — Era mesmo, Zeno? De verdade, Gelásio? Era por mim? Mas eu não queria isso! A menina estava com o rosto corado pelo frio. Evitava olhar para os irmãos, mas acabou reunindo
coragem e falou de uma vez, olhando de um para o outro: — Posso gostar de vocês assim, como amigos... mas não para outra coisa. Eu não queria que vocês brigassem, eu não queria que vocês fizessem essa corrida, eu não queria dar beijo em nenhum de vocês, não. Desculpem. — Vocês iam fazer uma maluquice dessas só por causa do beijo de uma menina? — perguntou o pai. — Só por isso? — Desculpem... — falou Dinorah de novo. — Eu vou embora. Os irmãos nada responderam. Seguiram com os olhos o vulto esguio da menina, sumindo pela avenida. E enquanto o pai levava as bicicletas até o carro, xingando e reclamando contra os filhos, Zeno e Gelásio continuaram olhando-se, muito sérios.

15. Resposta final

Foi naquele fim de tarde, depois que a Grande Disputa acabou encerrada com a interferência paterna. Quando o pai recolhia as bicicletas e se armava de um arsenal de frases prontas, broncas e reclamações e os dois garotos descobriram que não seria daquela vez que disputariam sua Grande Prova... ...que os olhos deles se fixaram uns nos do outro. Por um longo tempo. Zeno e Gelásio continuaram olhando-se, muito sérios.
Sabiam que não tinha sido daquela vez, mas acabaria sendo em outra.
A Corrida Ideal, a Grande Disputa, ainda iria acontecer.
Nem que fosse na Fórmula 1, dali a dez anos, mas os irmãos descobririam quem era o melhor. Quem era o Campeão.
Porque se não fizessem isso na vida, que graça a vida iria ter?
Fim
ESPORTES
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Pai adverte os irmãos Schumacher
Um senhor alemão, ex-zelador e pouco conhecido do público, ameaça interferir na disputa deste e dos próximos Mundiais de F-1.
‘‘Se for necessário, vou falar com os dois. Espero que isso não seja necessário”, diz Rolf Schumacher, em entrevista publicada por jornais da Itália e da Alemanha. ‘‘Um não poderá colocar a vida do outro em risco nunca.”
Rolf é pai de Michael e Ralf, irmãos que monopolizaram as atenções nas duas últimas etapas do Mundial e que, neste ano, já dividiram um pódio e três primeiras filas em grids de largada.
O auge da disputa entre os dois aconteceu em Nurburgring, no último domingo. Na pole, Michael, 32, tricampeão mundial, deliberadamente espremeu Ralf, 25, no lado direito da pista antes de contornar a primeira curva.
Instantes depois da prova, o caçula ainda estava irritado com a manobra. ‘‘Ele foi muito bruto no começo da corrida e quando foi para o primeiro pit stop”, disse Ralf, em referência à entrada brusca de seu irmão nos boxes.
Mais tarde, reflexo de uma conversa que teve com o pai, adotou um tom mais ameno: ‘‘Michael foi duro sim, mas muito leal”.
Ralf teria telefonado para o irmão ainda no domingo à noite, e ambos teriam concluído que não havia razões para uma discussão.
A F-1 espera um novo embate para o autódromo de Magny-Cours, que recebe amanhã o primeiro treino livre para o GP da França, décima etapa do Mundial.
E, com a decadência da Mc Laren e a ascensão da Willams nas últimas provas, a expectativa é que os dois sejam os principais concorrentes ao título de 2002.
Nesta temporada, Ralf sofreu com quebras do carro. Mesmo pontuando em apenas quatro GPs, hoje ele é o quarto colocado no Mundial, a apenas um ponto do ferrarista Rubens Barrichello.
O caso da família Schumacher é inédito na F-1. Antes dela, três duplas de irmãos já haviam corrido simultaneamente na categoria, entre eles Emerson e Wilson Fittipaldi Júnior (35 GPs, entre 1972 e 1975).
Nunca, porém, dois irmãos haviam obtido tanto sucesso.
Na Europa, Michael e Ralf já são comparados às irmãs Vênus e Serena Williams, respectivamente segunda e quinta colocadas no ranking da WTA (entidade que comanda o tênis feminino).
(Folha de S. Paulo, 28 de junho de 2001).

quarta-feira, 18 de março de 2009

E quando a gente pensa que já leu muita coisa bonita e que talvez não encontre tão cedo um texto de impressionar, de fazer bater mais forte o coração, eis que ele aparece assim por acaso na sua frente... e você fica em estado de graça. Pois é.



Pássaro pequeno vive pouco. Vive menos do que gente. Um dia na vida de um pássaro dá pra viver muita coisa. Pássaro é também muito esperto. Imagino que a esperteza é causada pelo medo de pedra, alçapão, visgo ou chuva.
Peixe pequeno vive pouco. Vive menos do que gente. Um dia na vida de um peixe dá pra viver muita coisa. Peixe é também muito esperto. Imagino que a esperteza é causada pelo medo de anzol, redes, seca ou peixe maior.
O Tempo
O pássaro da minha história eu o observo durante um dia. Também o peixe eu o observo nesse mesmo dia. Estamos juntos, mas com uma pequena diferença: o pássaro está no ar, o peixe na água e eu entre os dois - na terra.
O Início
Não foi possível observá-los mais de um dia. Estou com medo de faltar ao meu compromisso. Compromisso não pode ser adiado. Fico cheio de medo e triste. Isso porque os compromissos não são importantes no momento de cumpri-los. Eles parecem importantes no momento de aceitá-los. Observação: Quero deixar uma palavra que fica muito bem na minha história, nesse momento: Antecedência.
A Posse
A história é minha, mas o pássaro e o peixe não são meus. Até que é fácil possuí-los. Basta um aquário e uma gaiola. Mas não me importa tê-los na mão. Aprendo a me satisfazer pelos olhos, assim como pássaros e peixes que não têm as mãos.
A Paisagem
Minha história começa num momento de manhã. Estou com os olhos olhando sem ver nada. Parece que estou esquecido de mim. Não há cenário e é bom assim. É bom porque a minha história pode acontecer amanhã ou depois de amanhã, apenas no coração. Basta existir uma vida, qualquer espécie de vida, para que exista o impossível.
O Anúncio
O pássaro sai das poucas folhas de uma árvore comum. (Eu estou sentado debaixo). Ele dá um voo rasante e bica a superfície da água do rio. Existe um rio porque é necessário tê-lo para contar a minha história. É um rio que não passa de um riacho. Digo ao rio porque acho melhor e mais bonito para nele morar um peixe.
A Consequência
O pássaro volta para as folhas da árvore comum e se enfeita com elas. A árvore se enfeita com o pássaro e as folhas. O mundo se enfeita com a árvore e assim por diante. O pássaro espera assustado. O mundo está todo em expectativa. É uma luta de coração a coração. De repente, na beirada do rio surge um peixe entre colares circulares e brilhantes feitos de água e sol.
A Resposta
No exato momento, escuto um canto tão breve como deve ser o milagre. O peixe se cobre com as águas e desaparece. O colar fica sobre o rio, levando amor rio-abaixo, rio-acima.
O Silêncio
Foi tudo tão breve que nem gosto de escrever. Se escrever, fazê-lo com letra miúda e palavras escolhidas. Mesmo para pensar tal fato, meu pensamento se reduz. Desculpe se escrevo muito, mas quero reter junto com você tamanha realidade.
A Surpresa
Vocês percebem que minha história é de amor. Amor de peixe e de pássaro. Como é o seu início eu não sei. Acredito que nem os namorados sabem. A gente só sabe que gosta quando está gostando. O tempo aqui não tem importância.
O Mundo
O infinito é imenso. É nele que o pássaro mora. Ele é cheio de ar, sol, estrela solta, vento e nuvem. Passou no ar um bando de pássaros muito livres. O pássaro enamorado se junta aos outros, por pouco tempo. Ele volta para sua solidão tranqüila. Descansa. Adquire respiração normal e bica a água do rio novamente. Volta ao galho, se enfeita de folhas. Tudo acontece como anteriormente: o peixe, o colar, o canto, o milagre.
Novamente o Tempo
Deve ser meio dia. Estou sentado sobre minha sombra. Não existe vento. Tudo está parado no seu devido lugar: pássaro no ar, peixe na água e eu na terra.
A Certeza
É um amor impossível o de peixe e pássaro. Nunca podem estar juntos. O pássaro morre afogado na água. O peixe morre afogado no ar. Depois, peixe e pássaro não têm mãos para amar. Não sei nada sobre o coração de peixe nem de pássaro. Penso que devem ter muita esperança.
A Minha Solução
Quero construir uma gaiola conjugada com um aquário e deixá-los juntos. Minha idéia me entristece como os compromissos aceitos com antecedência.
A Liberdade
O ar é imenso. A água é imensa. Pode-se viajar no ar e na água por muito tempo. Mas o peixe e o pássaro estão ali, parados. A liberdade permite isso.
A Continuação
Por muitas vezes pelo resto da tarde o pássaro bica a água e se enfeita de folhas. Por muitas vezes o peixe mostra seu olhar entre colares de água e sol. O canto faz-se breve e exato.
O Fim
Escurece no céu e o escuro se reflete nas águas. Não vejo mais o peixe nem o pássaro. Volto no dia seguinte aos meus compromissos e penso: peixe e pássaro vivem pouco mas vivem muito num dia só.
Fonte: O Peixe e o Pássaro - Bartolomeu Campos Queirós - Editora Formato, 1991.
Nosso planeta é tão bonito, mas anda um pouco mal tratado. José Paulo Paes imaginou um mundo maravilhoso, sem violência, sem poluição, com muitos bichos, plantas e crianças, um verdadeiro...

Paraíso!

Se esta rua fosse minha,
eu mandava ladrilhar,
não para automóvel matar gente,
mas para criança brincar.
Se esta rua fosse minha,
eu não deixava derrubar.
Se cortarem todas as árvores,
onde é que os pássaros vão morar?
Se este rio fosse meu,
eu não deixava poluir.
Joguem esgotos noutra parte,
que os peixes moram aqui.
Se este mundo fosse meu,
eu fazia tantas mudanças,
que ele seria um paraíso
de bichos, plantas e crianças.

José Paulo Paes

terça-feira, 17 de março de 2009

Fumo
(Florbela Espanca)

Longe de ti são ermos os caminhos,
Longe de ti não há luar nem rosas,
Longe de ti há noites silenciosas,
Há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
Perdidos pelas noites invernosas...
Abertos, sonham mãos cariciosas,
Tuas mãos doces, plenas de carinhos!

Os dias são Outonos: choram... choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços,
Fumo leve que foge entre os meus dedos!...
Assim mesmo
(Madre teresa de Calcutá)

Muitas vezes as pessoas são egocêntricas,
ilógicas e insensatas.
Perdoe-as assim mesmo.

Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo
de egoísta, interesseiro.
Seja gentil, assim mesmo.

Se você é um vencedor, terá alguns falsos amigos
e alguns inimigos verdadeiros.
Vença assim mesmo.

Se você é honesto e franco, as pessoas
podem enganá-lo.
Seja honesto e franco assim mesmo.

O que você levou anos para construir,
alguém pode destruir de uma hora para outra.
Construa assim mesmo.

Se você tem paz e é feliz,
as pessoas podem sentir inveja.
Seja feliz assim mesmo.

O bem que você faz hoje
pode ser esquecido amanhã.
Faça o bem assim mesmo.

Dê ao mundo o melhor de você,
mas isso pode nunca ser o bastante.
Dê o melhor de você assim mesmo.

Veja que, no final das contas,
é entre você e Deus.
Nunca foi entre você e as outras pessoas.
O poema da paz

0 dia mais belo? Hoje
A coisa mais fácil? Equivocar-se
O obstáculo maior? 0 medo
0 erro maior? Abandonar-se
A raiz de todos os males? 0 egoísmo
A distração mais bela? 0 trabalho
A pior derrota? 0 desalento
Os melhores professores? As crianças
A primeira necessidade? Comunicar-se
0 que mais faz feliz? Ser útil aos demais
0 mistério maior? A morte
0 pior defeito? 0 mau humor
A coisa mais perigosa? A mentira
0 sentimento pior? 0 rancor
0 presente mais belo? 0 perdão
0 mais imprescindível? 0 lar
A estrada mais rápida? 0 caminho correto
A sensação mais grata? A paz interior
0 resguardo mais eficaz? 0 sorriso
0 melhor remédio? 0 otimismo
A maior satisfação? 0 dever cumprido
A força mais potente do mundo? A fé
As pessoas mais necessárias? Os pais
A coisa mais bela de todas? 0 amor

segunda-feira, 9 de março de 2009

Tesouro cria disputa na ilha Robinson Crusoé

26 de setembro de 2005

A possível descoberta de um enorme tesouro enterrado por piratas na ilha chilena de Robinson Crusoé, no início do século XVIII, motivou uma verdadeira "febre do ouro" na região, e agora as autoridades, os moradores e a empresa que diz tê-lo encontrado disputam a propriedade.
A euforia começou há dois dias, quando a empresa de segurança Wagner anunciou que - graças a um robô que pode detectar metais e determinar sua composição química - finalmente havia descoberto a localização do lendário tesouro, que conteria cerca de 800 toneladas de ouro e jóias, entre elas dois anéis papais e uma jóia mística conhecida como "A rosa dos ventos".
Mesmo que a descoberta ainda não tenha sido confirmada, o anúncio causou comoção aos cerca de 600 habitantes de Robinson Crusoé, uma das três ilhas que formam o arquipélago Juan Fernández, a 700 quilômetros no litoral oeste do Chile, com economia baseada principalmente na pesca da lagosta. A ilha de Robinson Crusoé possui uma superfície de 96 km2, e o conjunto das três ilhas, 147 km2.
"Todos comentam a notícia e especulam o que poderia ser feito com o dinheiro", disse Carlos Satto, diretor interino do Departamento de Turismo, Cultura e Relações Públicas do município de Juan Fernández.
O prefeito da ilha, Leopoldo González, pediu aos habitantes de Robinson Crusoé que tenham calma. A ilha leva esse nome em homenagem ao personagem do romance de Daniel Defoe sobre o naufrágio e as aventuras do marinheiro Alejandro Selkirk. "Ainda não informaram o lugar exato, só revelaram a região, por isso é cedo para começar a sonhar", disse o prefeito, lembrando as frustradas expedições anteriores.
A localização exata da descoberta é mantida em segredo, à espera de que as autoridades nacionais autorizem a empresa Wagner a iniciar as escavações. De acordo com o prefeito, por enquanto, "é melhor que não se saiba. Se não, estariam todos fazendo buracos com pás", acrescentou.
Só se sabe que o tesouro, avaliado inicialmente em cerca de 10 bilhões de dólares, estaria nos arredores da região denominada "Tres Puntas", de acordo com as coordenadas fornecidas pelo moderno robô que realizou a façanha.
Porém, antes das esperadas escavações surgiu a controvérsia sobre a propriedade da fortuna que, de acordo com dois artigos das leis chilenas, deveria ser dividida em partes iguais entre o descobridor e o Estado ou ficar todo nas mãos do fisco. "A lei que rege nestes casos é a de Monumentos Nacionais, que estabelece que os bens são do Estado", disse de forma categórica o ministro da Educação, Sergio Bitar.
No entanto, os diretores da empresa Wagner frisaram que outra lei dá a eles o direito de ficar com a metade do tesouro, que planejam doar ao município do arquipélago de Juan Fernández e a instituições beneficentes. A empresa assegura que se beneficiará apenas com a publicidade que adquirir o robô que protagoniza a descoberta.
O prefeito González concordou com a empresa Wagner, mas disse que a outra metade do tesouro deveria ficar com os habitantes de sua ilha. Se o valor estimado do tesouro for correto e este for repartido entre os 600 habitantes do território insular, cada um receberá cerca de US$ 17 milhões.
O tesouro, segundo conta a lenda, foi levado até o litoral chileno pelos corsários que cruzaram o Pacífico, e o navegador espanhol Juan Esteban Ubilla y Echeverría o escondeu na ilha em 1715. Ainda de acordo com a lenda, as jóias e moedas de ouro foram desenterradas e escondidas em outra região da ilha pelo marinheiro inglês Cornelius Webb, sem que até agora ninguém tenha desvendado o mistério.
AFP - Todos os direitos de reprodução e representação reservados.

domingo, 8 de março de 2009

Para se inspirar e ler o livro...

Acompanhe as Aventuras de Robinson Crusoe, do Naufrágio à Vida Numa Ilha Deserta Durante 27 Anos


Com "As Aventuras de Robinson Crusoe", de Daniel Defoe (1660-1731), acompanhamos a aventura de um jovem de 20 anos, que, na Inglaterra de 1652, decidiu rumar contra todas as expectativas dos pais e embarcar na travessia dos mares, numa sequência de peripécias que culminam na estadia de 27 anos numa ilha deserta.
Para escrever o seu livro, Defoe inspirou-se na aventura verídica de um excêntrico escocês de nome Alexander Selkirk, mas polvilha a história com a sua própria imaginação. Ao longo de um dos livros de aventuras de leitura mais leve e breve que alguma vez foi escrito, acompanhamos Robinson Crusoe desde os seus 18 anos, no porto britânico de Hull, até a sua partida, contra a vontade dos pais, com destino a uma vida errante e sonhadora. Robinson quase morre num naufrágio entre Hull e Londres. Mais tarde, sem coragem de regressar a casa, embarca num navio para a Costa da Guiné, mas acaba por ficar escravo de um pirata turco, que o retém cativo no porto de Sallee, durante dois anos.



Um dia, quando é mandado pescar pelo senhor, Crusoe consegue escapar até ser resgatado junto à costa africana por um navio português, cujo capitão o leva para o Brasil.
Robinson Crusoe estabelece-se em Terras de Vera Cruz comprando uma plantação. Ao fim de uns anos, no entanto, propõem-lhe entrar no negócio da escravatura. Mete-se ao mar e volta a ser vítima de um terrível naufrágio, do qual é o único sobrevivente. Nadando em desespero para uma ilha, Crusoe está longe de saber que aí vai permanecer 27 anos. Aos poucos e poucos, refaz a vida com as provisões que retira do navio naufragado, abraçado à crença religiosa e à simplicidade do dia-a-dia. Ao fim de 15 anos, descobre canibais na ilha e, mais tarde, salva uma das suas eventuais vítimas, que passará a viver consigo e a quem chamará Sexta-Feira. A vida eremita de Crusoe terminara, mas não o livro, que, a partir daí, é feito de uma sequência inebriante de acontecimentos.




Daniel Dafoe, nascido em 1660 numa família de presbiterianos, que na época eram perseguidos, foi comerciante, participou numa rebelião contra o rei James II, conheceu a prisão devido aos escritos panfletários que assinou e até foi preso a um pelourinho para onde lhe arremessaram tomates e pedras por defender os presbiterianos. Quis o destino que, apesar dos inúmeros panfletos políticos que escreveu, ficasse eternamente ligado ao romance que publicou em 1719, "As Aventuras de Robinson Crusoe". Escreveu também um livro sobre a vida nas prisões, "Moll Flanders" (1722), mas que não chegou a atingir o mesmo sucesso do anterior.

sábado, 7 de março de 2009

Encontrei esse texto falando sobre o verdadeiro Robinson Crusoé... Tem um vocabulário um pouquinho complicado, mas dá pra entendê-lo bem

Cientistas pesquisam o verdadeiro Robinson Crusoé

Marco Evers

Gerações de crianças ficaram hipnotizadas pelas explorações de Robinson Crusoé, mas poucas pessoas têm consciência da figura da vida real que inspirou o clássico. Agora, 300 anos após ter deixado sua ilha-prisão, cientistas descobriram como o verdadeiro Crusoé conseguiu sobreviver.O que era aquilo? Um fogo queimando em uma ilha deserta do Pacífico Sul? No dia seguinte, o capitão do navio pirata inglês Duke, enviou um grupo armado para ilha para investigar. Quando os homens retornaram, trouxeram duas surpresas: um grande número de lagostas e uma criatura em farrapos.A figura que subiu a bordo do Duke no dia 2 de fevereiro de 1709 aparentemente era humana, mas tão selvagem quanto um animal, descalça e coberta com pele de cabra. A criatura, extremamente agitada, só era capaz de gaguejar poucas palavras, quase incompreensíveis a princípio, mas suficientes para torná-la imortal.Em seu romance, primeiramente publicado em 1719, Daniel Defoe batizou o náufrago de "Robinson Crusoé". Mas o verdadeiro Robinson chamava-se Alexander Selkirk. Era escocês, sétimo filho de um sapateiro de uma aldeia perto de Edimburgo. Ele tinha passado quatro anos e quatro meses em Más a Tierra, ilha varrida pelo vento no arquipélago de Juan Fernandez, a 650 km da costa do Chile. Ele estava tão só quanto um ser humano pode estar. Para Selkirk, não havia o "sexta-feira", personagem que Defoe criou em seu romance.Diferentemente de seu equivalente literário, Selkirk não era um náufrago. Seu capitão simplesmente o abandonou após uma longa briga. Ele deve ter olhado em espanto enquanto seu navio partia no horizonte. Entre os poucos itens que manteve estavam alguns artigos de roupa, uma faca, um machado, um revólver, aparelhos de navegação, uma panela, tabaco e uma Bíblia.No 300º aniversário de sua volta para a sociedade, os cientistas agora podem pintar um quadro claro da existência de Selkirk na ilha. Eles acreditam saber como e onde ele morava, parcialmente por meio de seus objetos recém descobertos. Sua vida após ser resgatado também pôde ser reconstruída, fornecendo um retrato do verdadeiro Robinson que nem sempre é enaltecedor -mas ainda assim típico dos marginais que partiam para os mares naqueles tempos.Selkirk era um pirata bêbado, violento e de pavio curto. Nascido em uma família problemática, fugiu para os mares quando tinha apenas 17 anos. Trabalhando em navios privados no Mediterrâneo e no Caribe, ele roubava espanhóis e franceses. Apesar de não ser burro e ter subido para a posição de navegador, seu temperamento era precário. Selkirk aparentemente sempre teve dificuldades para lidar com outras pessoas, o que talvez tenha sido precisamente a razão para que aguentasse seu confinamento solitário na ilha com tanto sucesso.David Caldwell, 57, é arqueólogo do Museu Nacional Escocês de Edimburgo. Seu campo em geral é história escocesa, que ele estuda do conforto de seu escritório. Entretanto, quando Daisuke Takahashi, fanático por Robinson Crusoé, pediu-lhe que viajasse com ele para a ilha do pirata abandonado, foi uma oferta que não pôde resistir.O entusiasta Takahashi tinha obtido fundos da National Geographic Society para sua expedição, mas precisava de um verdadeiro acadêmico como seu parceiro. Caldwell certamente era bem qualificado. Duas das relíquias mais famosas de Selkirk estavam na coleção de seu museu: um recipiente para água que o pirata pode ter esculpido ele mesmo, e um baú do Norte da Itália, que Selkirk teria capturado no Mediterrâneo, segundo Caldwell.Os dois homens passaram mais de um mês na ilha, que foi oficialmente rebatizada de ilha Robinson Crusoé em 1966. Ainda é um local silencioso que hoje abriga cerca de 600 pessoas, na maior parte pescadores de lagostas. Tem duas ruas de terra e duas dúzias de veículos. Não tem restaurantes nem bares. Cruzeiros ocasionalmente lançam âncora em Robinson Crusoé, na rota das ilhas Galápagos para a Terra do Fogo.A ameaça espanholaCaldwell e Takahashi recentemente descreveram suas descobertas na revista acadêmica "Post-Medieval Archaelogy". Eles escavaram em um ponto que Takahashi, que tinha visitado a ilha antes, acreditava ser o acampamento de Selkirk: uma clareira bem protegida em um morro vulcânico, quase 300m acima do nível do mar, cercada de arbustos. Selkirk escolheu não morar na praia porque era perigoso demais. Apesar de não temer canibais, como fazia Robinson Crusoé no romance, os espanhóis eram uma ameaça. Eles o teriam matado ou escravizado.A equipe logo descobriu os restos de um baú de munição espanhol. Os espanhóis tinham ocupado a ilha em 1750 para impedir que seus inimigos continuassem a usá-la como porto seguro. Entretanto, Caldwell encontrou duas antigas fogueiras mais antigas abaixo da câmara -e ossos carbonizados nelas.Em torno do local, os pesquisadores encontraram buracos na terra que aparentemente tinham acomodado postes. Talvez Selkirk tivesse construído uma cabana ali, conjeturaram. Quando Caldwell peneirou a terra escavada, descobriu a maior evidência da presença de Selkirk: uma peça de bronze angular, com 1,6 cm. Ele não deu importância à descoberta a princípio, até compreender que o formato do metal se encaixava com um braço de um divisório, que era parte do equipamento de navegação de Selkirk.Caldwell acredita que o pirata usou seu divisório como ferramenta e o danificou no processo. Um teste metalúrgico revelou que o metal poderia ter vindo de Cornwall. "Esse é o tipo de evidência forte que raramente se tem na arqueologia", disse o historiador.Diante do acampamento, havia uma forte subida de outros 300 metros para o posto de observação de Selkirk no topo da montanha, onde provavelmente passava várias horas por dia. Se visse um barco, tinha que decidir se pertencia a um amigo ou inimigo. Deveria acender o fogo ou permanecer escondido? Eles viram alguns navios e dois deles, ambos espanhóis, aportaram na ilha -mas ele conseguiu permanecer incógnito.Os primeiros oito meses foram difíceis para Selkirk, um pirata em busca de ouro e aventuras, que caiu em depressão. Entretanto, com o tempo, ele começou a criar um lar.De todas as ilhas nas quais Selkirk poderia ter sido abandonado, essa era praticamente feita sob medida para um sobrevivente. Sua vida logo melhorou, estava melhor do que jamais fora e talvez do que jamais viria a ser. Ele era um prisioneiro, porém mais livre do que nunca.O clima era ameno na maior parte do ano, em geral seco, não havia animais perigosos nem venenosos e havia riachos de água doce. Focas gordas descansavam na praia, lagostas e variedades de peixes ocupavam as lagoas e plantas comestíveis prosperavam na ilha, inclusive morangos silvestres, agrião, uma forma de pimenta e uma planta com gosto de repolho. A única coisa que não havia era sal, como disse mais tarde àqueles que o resgataram.Cabras, gatos e ratosSelkirk não foi a primeira pessoa a morar ali. Em 1575, exploradores espanhóis trouxeram cabras para a ilha, e navios subsequentes trouxeram gatos e ratos, assim como rabanete e nabo. Selkirk domou gatos selvagens para que pudessem defendê-lo contra os ratos que mordiam seus pés à noite. Entretanto, um rebanho de cabras selvagens tornou-se sua maior fonte de divertimento.Caçar cabras tornou-se um esporte para Selkirk. Ele aprendeu a correr mais do que elas e jogá-las no chão enquanto corriam. Ele soltou muitas, mas, conforme contou, matou 500 para comer a carne e tirar a pele. Ele até registrou cada cabra que matou. Para satisfazer sua necessidade de comunicação, Selkirk lia a Bíblia, rezava, meditava e cantava hinos. Ele confidenciou que nunca fora tão bom cristão como na ilha, e duvidava que jamais o seria novamente.Selkirk, com 30 e poucos anos, tinha saúde bem melhor do que os marinheiros que o resgataram. Metade da tripulação tinha contraído escorbuto após uma dura viagem da Inglaterra. Entretanto, Selkirk se movia com facilidade. As solas de seus pés tinham se tornado tão grossas que corria mais do que o cão do barco no terreno pedregoso de sua ilha vulcânica. No princípio, ele não conseguiu vestir sapatos -nem tolerar o rum.Por quase três anos, Selkirk navegou pelo mundo com os piratas que o resgataram. Eles lutavam, roubavam e extorquiam seus inimigos -tudo com a bênção da Coroa, porque suas vítimas eram inimigas do país. No final de 1711, Selkirk voltou para a Inglaterra com uma pequena fortuna. Ele se tornou celebridade instantânea, trocando suas histórias por comida e bebida nos bares. O arqueólogo Caldwell acredita que foi aí que Daniel Defoe o encontrou.Selkirk, porém, estava infeliz no mundo civilizado e sentia falta da sua ilha. Ele teria dito a um jornalista: "Agora tenho 800 libras, mas nunca novamente serei tão feliz como era na época, quando não tinha nenhum centavo". Ele bebia e brigava e casou-se com duas mulheres ao mesmo tempo. Eventualmente, ele fugiu de volta para o mar, desta vez como tenente da marinha.Sua vida chegou a um fim abrupto aos 45 anos. No dia 12 de dezembro de 1721, ele morreu de febre amarela na costa oeste da África, e foi sepultado no mar. Robinson Crusoé já era um sucesso na época. Hoje o trabalho de Defoe é celebrado como o primeiro romance de língua inglesa.Há um mistério de Selkirk que ainda não foi resolvido. De acordo com os relatos de suas viagens, o pirata mantinha um diário em Más a Tierra. O diário também é mencionado em uma carta de uma de suas viúvas. Mas o que aconteceu com suas notas?O arqueólogo Caldwell tem uma teoria. Pouco após a morte de Selkirk, seus escritos caíram nas mãos do duque de Hamilton, o nobre mais rico da Escócia. Quando seus descendentes precisaram de dinheiro, no século 19, eles leiloaram as pinturas e coleções na Christie's, em Londres. O império germânico nascente foi um importante comprador no leilão.A teoria de Caldwell sugere que, se o diário do verdadeiro Robinson Crusoé ainda existe, deve estar em algum lugar em Berlim hoje. "Especularia que está em uma prateleira esquecida na Biblioteca Estadual de Berlim - Herança Cultural Prussiana", diz Calwell.
Tradução: Deborah Weinberg

quinta-feira, 5 de março de 2009

Por que o mar tanto chora

Era uma vez uma rainha que estava casada havia muito tempo e nunca tivera um filho. “Meu Deus, permita que eu engravide, nem que seja para dar à luz uma serpente”, ela rezava noite e dia. Até que por fim Deus ouviu sua prece e lhe concedeu uma filha, que nasceu com uma cobra enrolada no pescoço.
A princesa recebeu o nome de Maria e, assim que aprendeu a falar, chamou a cobra de Dona Labismina. As duas eram grandes amigas. Passeavam muito pela praia, nadavam juntas, brincavam. Às vezes, Maria deixava Dona Labismina mergulhar sozinha, mas, se ela demorava a voltar, punha-se a chorar em grande aflição.
Um dia, a cobra entrou no mar e desapareceu. Antes, porém, disse à princesa que, se estivesse em perigo, bastaria chamá-la.
Anos depois, a rainha de um país vizinho adoeceu. Quando estava prestes a morrer, tirou um anel do dedo e o entregou ao rei, seu marido, dizendo-lhe: “Se você se casar de novo, escolha uma princesa em cujo dedo caiba este anel direitinho”.
Tão logo ficou viúvo, o rei, que era um homem velho, feio e rabugento, resolveu procurar uma noiva. Mandou o anel para todas as princesas do mundo experimentarem, e ele não coube em nenhum dedo.
Então descobriu que uma princesa ainda não o experimentara: Maria. Foi visitá-la em seu palácio e sem a menor dificuldade colocou-lhe o anel no dedo. Maria não queria se casar com aquele homem horroroso, mas seus pais exultaram, pois o viúvo era imensamente rico.
O casamento foi marcado para breve. A pobre noiva, desesperada, chorou dias a fio, até que se lembrou do que Dona Labismina lhe dissera ao se despedir. Foi então para a praia, chamou sua amiga fiel e lhe contou o que estava acontecendo. “Não se preocupe”, a cobra falou. “Diga ao rei que só se casará com ele se lhe der um vestido da cor da mata com todas as flores.”
Maria fez exatamente como Dona Labismina recomendou. O velho ficou muito aborrecido, mas, como estava encantado com a beleza da noiva, prometeu que lhe daria o tal vestido. Demorou bastante tempo, porém acabou cumprindo a palavra.
“E agora, o que vou fazer?”, a princesa perguntou a cobra. “Diga-lhe que só se casará com ele se lhe der um vestido da cor do mar com todos os peixes”, respondeu a boa amiga.
O rei se aborreceu ainda mais, porém fez de tudo para atender à exigência da noiva. E lá se foi Maria novamente pedir socorro a Dona Labismina. “Diga-lhe que só se casará com ele se lhe der um vestido da cor do céu com todas as estrelas”, recomendou a cobra.
Ao tomar conhecimento desse novo capricho, o rei ficou terrivelmente irritado, mas, como nas outras vezes, prometeu satisfazê-lo e não deixou de cumprir a promessa.
Desesperada, a princesa correu para a praia, onde sua fiel amiga já a esperava, com um barco a postos. “Fuja, depressa!”, disse-lhe Dona Labismina. “Este barco a levará para um reino distante, onde você se casará com o filho do rei. No dia do seu casamento, vá até a praia e me chame três vezes, para que meu encantamento se rompa e eu também seja princesa.”
Maria partiu e, conforme a cobra informara, foi ter a um reino distante. Sem recursos para se manter, dirigiu-se ao palácio e pediu emprego. Encarregaram-na de cuidar do galinheiro.
Pouco depois, realizou-se na cidade uma grande festa anual, que durava três dias. A família real e os fidalgos da corte saíram para festejar com o povo. Maria recebeu ordens de ficar com as galinhas, porém, assim que se viu sozinha, pôs seu vestido da cor da mata com todas as flores, pediu a Dona labismina uma linda carruagem e também foi à festa.
Todos os que viram se maravilharam com sua beleza, principalmente o filho do rei, mas ninguém a reconheceu. Maria se divertiu por algumas horas e voltou para o palácio. Estava em seu canto, toda esfarrapada, quando o príncipe chegou. “Você viu aquela beldade?”, o rapaz perguntou à mãe ao descer da carruagem. “Não acha que se parecia com a moça que cuida de nosso galinheiro?” A rainha franziu a testa, surpresa: “Imagine! A moça do galinheiro vive suja e maltrapilha...”
O príncipe deixou os pais entrarem e foi falar com Maria. “Hoje vi lá na festa uma jovem muito parecida com você...” Corando até a alma, a pobrezinha murmurou: “Por favor, Alteza, não zombe de mim!”
No dia seguinte, depois que todos saíram, Maria pôs seu vestido da cor do mar com todos os peixes e foi se divertir um pouco.
Perdidamente apaixonado, o filho do rei perguntou a uns e outros quem era aquela beleza, mas ninguém soube lhe dizer.
No terceiro dia de festa, Maria usou seu vestido azul da cor do céu com todas as estrelas e, quando ia se retirar, recebeu do príncipe uma jóia.
Encerrados os festejos, o filho do rei caiu numa tristeza de dar pena. Passava o tempo todo na cama, suspirando, e se recusava a comer. Sem saber mais o que fazer, a rainha ordenou à moça do galinheiro que preparasse uma canja bem suculenta. Maria obedeceu sem pestanejar e, antes de mandar a tigela de canja para o príncipe, colocou dentro o presente que ele lhe dera. Ao tomar a primeira colherada, o rapaz encontrou a jóia e saltou da cama, gritando: “Estou curado! Minha amada é a moça do galinheiro!”
A rainha chamou Maria, que se apresentou usando o vestido da cor do céu e naquele mesmo dia se casou com o príncipe.
Zonza de felicidade, a jovem se esqueceu de ir até a praia e chamar três vezes por sua fiel amiga. Assim, Dona Labismina nunca se libertou de seu encantamento, e é por isso que o mar tanto chora.

PHILIP, Neil (org.). Volta ao mundo em 52 histórias. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998. p.46-9.

segunda-feira, 2 de março de 2009


















Coleção de capas de algumas das diversas edições desse clássico da Literatura





ROBINSON CRUSOE (Daniel Defoe)

Adaptação de Monteiro Lobato para o Ano Internacional da Criança

Tema: Aventura e trabalho.

ROBINSON CRUSOÉ

Aventura de um náufrago perdido numa ilha deserta em 1.719.

Este é o meu nome. Nasci na velha cidade de Iorque, onde há um rio muito largo, cheio de navios que entram e saem. Quando criança, passava a maior parte do tempo a olhar aquele rio de águas tão quietas, caminhando sem pressa para o mar lá longe. Como gostava de ver os navios em movimento, com velas branquinhas empurradas pelas brisas. Isso me fazia sonhar as terras estranhas donde eles vinham e as maravilhosas aventuras acontecidas em alto mar. Eu queria ser marinheiro. Nenhuma vida me parecia melhor que navegando sempre, e lidando com as tempestades. Minha mãe ficou muito triste quando declarei que seria marinheiro, ou não seria nada. A vida de marinheiro é dura: Há muitos perigos no mar, tantas tempestades, terríveis peixes de dentes de serra que me comeriam vivo se eu caísse na água. Não ouvi os seus conselhos, Quando fiz 18 anos, fugi de casa, engajei-me num navio.

MINHA PRIMEIRA VIAGEM
Minha mãe tinha razão. A vida era difícil e trabalhosa. Mesmo com o mar sereno e o dia lindo, serviços não faltavam, um atrás do outro.
Uma noite o vento soprou tão forte, que o navio era jogado de um lado para outro como se fosse casca de noz, Toda a noite o vendaval soprou e nos judiou. Fiquei tão amedrontado que não sabia o que fazer.
Era impossível que o navio não fosse ao fundo. Se escapo desta - disse comigo -, outra não me pilha. Chega de ser marinheiro. Só quero agora uma coisa: Voltar para casa. Na manhã seguinte o sol apareceu, o céu se fez todo azul e o mar parecia um carneirinho, de tão manso. O tempo continuou firme e meu medo foi desaparecendo. Essa minha viagem durou pouco, pois o navio só foi a Londres. Meu desejo de fazer longas viagens e conhecer o mundo inteiro tornou-se mais forte do que nunca.

MAIS UMA VIAGEM Um dia encontrei um velho capitão que costumava viajar pela costa da África. Conversamos e ele gostou de mim. "Meu navio vai para a África negociar. Levo um carregamento para negociar com os negros." Dez dias depois estávamos em pleno mar. O capitão ensinou-me muitas coisas. Como o piloto dirige o navio e como se faz uso da bússola. Por muitos dias só tivemos bom tempo. O navio navegava firme, tudo parecia indicar que a viagem seria das mais felizes.

O NAUFRÁGIO Uma violenta tempestade veio de sudoeste. Nunca vi tempestade mais furiosa. Dias e dias fomos arrastados para o mar afora, esperando a todo momento um fim terrível. A tempestade crescia de violência. No décimo terceiro dia, pela manhã, um marinheiro gritou: "Terra à vista!" Corri ao convés para ver, mas justamente nesse momento, o navio bateu num banco de areia e ficou imóvel. Estava encalhado.
Grandes ondas vinham quebrar-se no convés. Que havemos de fazer? Gritou um marinheiro. Nada! - respondeu o capitão - nossa viagem está no fim. Só nos resta esperar que as ondas arrebentem o navio. Nenhum bote poderia flutuar num mar como esse. Vagalhões furiosos nos foram levando em direção dumas pedras. De repente uma vaga maior nos cobriu. Fomos todos engolidos pelas águas. Sou lançado à praia. Só me lembro que depois disso, quando abri os olhos, me achava numa praia, com as ondas rolando sobre mim. Levantei-me a custo. Estava salvo da fúria do oceano. Exausto da terrível luta, deixei-me ficar deitado na areia e meus pensamentos dirigiram-se para Deus em agradecimento. Depois olhei ao redor e vi ao longe, encalhado no banco de areia, o navio sempre batido pelas vagas. Em seguida, pensei nos companheiros. Onde estariam eles? Caminhei pela praia e não vi ninguém. Apenas vestígios, aqui um chapéu, ali um sapato... Todos haviam morrido, afogados pelas ondas.

MINHA PRIMEIRA NOITE
Tinha passado de meio-dia. O sol brilhava no céu. A tempestade cessara. Minhas roupas estavam encharcadas. Sentei-me ao sol, para secá-las. Não tinha o que comer ou beber. Tinha comigo um canivete, um cachimbo e um pedaço de fumo. Chorei como uma criança. O sol foi desaparecendo. Era noite. Nunca me senti tão só, tão desamparado. E se houver feras por aqui! Virão atacar-me durante a noite. A pouca distância havia uma frondosa árvore e rente um pequenino riacho de água pura. Matei a sede, depois trepei na árvore. Seus galhos eram forquilhas bem abertas, de modo que pude ajeitar-me entre eles. Com o canivete cortei um porrete de um metro de comprimento para defender-me de algum ataque noturno. A escuridão era profunda. O único rumor era o das ondas a baterem nos rochedos. Como estava muito cansado, dormi o sono mais profundo de minha vida.

MEU PRIMEIRO AMANHECER
Quando acordei, era dia velho. O sol estava alto. O céu azul, o ar de uma pureza única. Desci do meu poleiro e fui examinar o mar. O navio estava mais perto da praia. A maré o havia trazido, encalhando-o novamente nos recifes. Meti-me pela água e fui a nado até o navio. Pareceu-me impossível, trepar por aquele liso casco. Vi um pedaço de corda que pendia e agarrei-me a ela e em pouco achei-me dentro do navio.

FAÇO UMA JANGADA
Havia muita água no porão. Felizmente as cabinas e a dispensa estavam secas, com muitas caixas de mantimentos em perfeito estado. Minha fome era grande. Muita coisa vi lá dentro de muito valor para mim em terra, mas como levá-las só por meio de uma jangada? Ajuntei alguns paus, tábuas e pedaços de corda e tratei de amarrá-los, uns junto aos outros de modo a formar uma jangada. Atei nela a minha corda e lancei-a ao mar. Boiou perfeitamente. Arranjei alguns caixões. Pus mantimentos, biscoitos, farinha, arroz, queijo, carne-seca e bolachas. Amarrei-os em uma forte corda e desci-os para a jangada. Outro enchi-o com roupas e na última hora, ainda joguei nele um saquinho de sementes de trigo. Depois dei com uma caixa de ferramentas, pregos e martelo e outros apetrechos. Lembrei-me do meu medo das feras e procurei armas. Na cabina do capitão encontrei duas boas espingardas, um par de pistolas, um facão meio enferrujado e e ainda duas espadas. Desamarrei a jangada e o vento e as ondas ajudara-me a ir vagarosamente para a praia.

DESCUBRO QUE ESTOU NUMA ILHA.

O sol ainda estava alto e eu cansadíssimo. Esvaziei os caixões e com eles fiz as tábuas da jangada mais os panos das velas, fiz uma tosca habitação onde me meti. Por meia hora ainda estive de olhos abertos e por fim ferrei no sono. Ali perto havia um morro alto onde eu pudesse ver longe. Pus a espingarda no ombro, o facão na cinta e galguei o alto do morro. Que vista maravilhosa! Verifiquei que a ilha era muito grande. Não vi sinal de vida. A idéia de que estava sozinho numa ilha desabitada, deixou-me triste. O sol já ia desaparecendo quando voltei para minha tosca habitação.

APARECE-ME UMA VISITA E DESCUBRO MAIS COISAS.


Quando acordei, dei com um gato em cima de uma das caixas. Tirei um pedaço de bolacha do meu bolso e joguei-o para o bichinho que o devorou tal a fome que tinha. descobri que na ilha também tinha cabritos e logo logo pensei que não ficaria sem carne e leite, para ajudar no meu sustento. Nessa noite choveu e ventou muito.

COMEÇO O MEU CASTELO
Deitei-me, e nessa noite inteira a tempestade rugiu lá fora. De repente, a chuva serenou e como sempre o meu primeiro olhar foi para o navio, a ver se continuava no mesmo lugar. Não existia o menor sinal do navio. A tempestade o havia destruído durante a noite. Comecei a me preocupar com as feras. Também tinha receio de que me aparecessem índios ferozes ou canibais. Era preciso prevenir-me contra esses perigos. Para tal, o bom seria construir um pequeno forte que me servisse de morada. Procurei um lugar ideal na chapada de um monte. Primeiro risquei no chão um cercado. Depois cortei madeira e fui fincando postes bem juntos para cercar. Depois trancei as estacas com as cordas trazidas do navio. Não fiz portas, para entrar ou sair. Fiz uma pequena escada, que depois de servir para subir, era mudada para o outro lado e servia para descer. Ali dentro, guardei os meus ricos salvados.

PRIMEIRA CAÇADA
Um dia descobri na ilha um bando de cabritos. Foi um dia feliz. Iria ter carne e leite também. Atirei em um pássaro grande que se empoleirava em uma árvore próxima. O tiro foi certeiro e nessa tarde o jantar foi de ave assada. Como estava gostoso, não sei se foi pela fome, só sei que muito pouco sobrou para o gato. Na cabina do capitão encontrei tinta e papel. Havia mapas e uma bússola, três ou quatro livros sobre navegação, bem como uma Bíblia que me foi útil. Com a tinta e o papel comecei a escrever diariamente tudo o que se passava. Depois que terminei o meu castelo, coberto de panos de vela do navio, vi que faltava mobília. Para uma mesa e uma cadeira aproveitei as tábuas que vieram do navio. Tudo levava muito tempo, mas servia para encher a imensidão de tempo de que dispunha.

EXPLORANDO A ILHA

Por esse tempo, fazia já 10 meses que eu estava naquele lugar deserto, e apesar disso só lhe conhecia pequena parte. Certa manhã pus a espingarda no ombro e saí em exploração. Segui pelo pequeno rio de águas claras. Ao longo desse riacho, lado a lado vi lindas várzeas cobertas de capim alto. Nessas várzeas, encontrei muitos pés de fumo, crescendo como planta selvagem. Encontrei varias mudas de cana de açúcar e muitas outras plantas desconhecidas. No dia seguinte fiz o mesmo caminho, indo porém muito mais longe. Cheguei a uma floresta onde encontrei várias qualidades de frutas. Entre elas uvas. Colhi numerosos cachos que pendiam maduros para colocá-los ao sol para secar. Obtive ótimas passas. A noite me alcançou no mato e, em vez de voltar ao castelo, resolvi dormir no mato. No dia seguinte alcancei um ponto onde o terreno virava encosta desse morro. Tão fresco ali, tão lindo e verde que tive a impressão de estar num jardim. De volta, pulei de contentamento ao ver uma enorme tartaruga entre as pedras. Isso representava para mim bastante comida. Ao jantar, tartaruga cozida, sopa de tartaruga ou ovos de tartaruga.

PREPARANDO-SE PARA O INVERNO

Agradou-me tanto aquele vale, que resolvi construir uma casinha que me servisse no verão. Ali vinha passar dois ou três dias de recreio. Fiz um varal de cachos de uvas ao sol e levei-as para o castelo. Fui ajuntando comestíveis para o inverno. O frio ali era pouco, em compensação era um chover que não tinha fim. Durante semanas fiquei sem poder botar o nariz para fora. Minha provisão de alimentos começou a minguar e um dia, apesar da chuva, tive que sair para abater um cabrito. Fazia um ano que eu estava ali naquela solidão. Pus-me a pensar como marcar o tempo que ali estaria. Plantei um alto poste no terreiro. No alto gravei em letras grandes estas palavras : Aqui cheguei no dia 30 de setembro de 1.659. Cada manhã, dava um corte na madeira, partindo do alto para baixo. Os domingos marcava com um corte mais comprido, e os meses, com um ainda mais longo. Meu calendário era aquilo. Certa manhã, notei que já havia feito 365 cortes na madeira. Um ano justo. E dava graças a Deus de me ter conservado em boa segurança no meio de tantos perigos, tendo já a experiência de que na ilha existiam só duas estações: estação das águas e estação das secas.

PLANTO ALGUNS GRÃOS
Um dia antes de começarem as chuvas, ao arrumar as minhas coisas, dei com o saquinho de sementes trazido de bordo, completamente vazio. Os ratos haviam dado cabo dele, só deixaram no fundo umas pitadas de farelo. Fui sacudi-lo fora. Um mês depois, notei que no lugar onde sacudira o saquinho, estava crescendo uns pés de uma erva diferente das outras naturais dali. Tomei cuidado para que crescesse em paz. Cresceu até a minha cintura. E deitou cachos. Só então percebi que era trigo. A colheita ia ser de 12 espigas que me forneceriam os grãos necessários para iniciar a cultura de trigo na ilha. Tinha acontecido lá uma coisa curiosa. Os paus que fiz a cerca eram verdes e, em vez de secarem, criaram raízes e brotaram. Pude guiar os brotos para o centro do cercado e amarrá-los num poste alto que lá finquei. Desse modo, consegui um caramanchão bem lindo, que ficou um verdadeiro ninho de verdura. Que prazer nos dias da estação seca.

UMA LONGA VIAGEM PELA ILHA

Sempre tive idéia de conhecer a ilha toda. Um dia chegou a vez. Espingarda no ombro, facão na cintura, um sortimento de passas e biscoitos na sacola. Andei bastante e vi ao longe terras, a umas cinquenta milhas de distância Se era uma outra ilha ou terras do continente americano, não podia saber. Achei aquele lado da ilha mais bonito que o outro. Campos abertos, cheios de flores. Também cheios de florestas com lindas árvores. Vi um papagaio tagarelando no arvoredo e pensei de pegar um para enfeite do castelo. Tive trabalho, mas apanhei um filhote para aprender a falar. Esse papagaio custou um pouco a falar, por fim aprendeu a pronunciar o meu nome com perfeição. Havia lá muitas aves, algumas que nunca tinha visto. Havia também coelhos. Nessa demorada excursão viajei sem pressa ao redor da ilha. Nas praias passeavam muitas tartarugas e uma infinidade de aves marinhas. Às vezes, comia um pombo assado. Outras, um suculento naco de tartaruga ou uma perna de cabrito. Pescava em cima das pedras com caniço improvisado que fabriquei. Frutos do mar, tais como camarão, ostras e mariscos, tinha-os em quantidade e facilidade de os obter.

PRIMEIRA COLHEITA


Foi grande o meu prazer de regressar ao castelo. Bastante cansado, fiquei sem sair durante uma semana. Enquanto descansava, construía a gaiola do papagaio que batizei com o nome de Pol. Ficou mansinho e muito meu camarada. A plantação de trigo ia indo muito bem. Assim que as espigas começaram a granar vieram os pássaros. Matei três a tiro. Foi um santo remédio porque desapareceram. Quando o trigo amadureceu, surgiu o problema de como colhê-lo. Lembrei-me da velha espada do capitão. Amolei-a e serviu muito bem. colhi as espigas e debulhei. Vocês já pensaram em quanta coisa é preciso para se fazer o pão? Eu pensei e sei o que é semear o grão, depois colher, debulhar, moer, peneirar, amassar e assar. Para a fabricação do pão, fez-me pensar que o castelo andava muito pobre de vasilhas. Lembrei-me da argila. Encontrei uma boa jazida de argila. Toca a extrair argila e amassá-la. Era preciso dar forma ao barro. Fiz isso com as mãos. Ficaram horrendas as minhas vasilhas. Quebravam-se à toa Fiz algumas, amontoe-as e cobri com uma grande pilha de lenha. Pus fogo e deixei-a até ficar reduzida a cinzas. O resultado foi excelente. Obtive vasilhas tão boas como as melhores da Inglaterra. Embora feias, minhas vasilhas e panelas não racharam ao fogo e resistiam à ação da água. No dia dessa grande vitória, jantei uma deliciosa sopa de tartaruga.

VIRO PADEIRO
Não sabia lidar com o pão, nunca houvera prestado atenção nisso. Construi um pilão de madeira e pude moer o meu trigo. Preparar a massa era simples. Tinha apenas que misturar a farinha com a água e amassar. Fiz dois grandes tabuleiros de barro e queimei-os até ficarem como pedra. Acendi um belo fogo, que apaguei, conservando só as brasas. Pus então as minhas bolotas de massa, arrumadas sobre o tabuleiro, cada qual recoberta por uma panela de barro. Coloquei o tabuleiro sobre as brasas e espalhei brasas por cima das panelas. Fiquei vigiando. Quando me pareceu estar pronto, tirei fora um dos pães e provei-o. Ótimo! Duvido que na Inglaterra houvesse pão mais bem assado que aquele. Depois de resolvido o problema de assar, tive sempre na minha mesa jantares completos de forno e fogão.

FAÇO UMA GRANDE CANOA

Queria escapar daquela solidão, queria ver gente, estava cheio de saudades de minha terra natal e de meus amigos. Eu era um rei naquela ilha. Tinha todas as comodidades. Abundância de alimentos, água pura, ar saudável..... O resultado dessas cogitações foi o de construir uma canoa resistente ao alto mar. Na floresta encontrei madeira apropriada. Um tronco de cedro. Era um madeiro de oito palmos de diâmetro. Duas semanas levei, derrubando esse pau. Depois comecei a escavá-lo. Durante três meses, não fiz outra coisa. Quando terminei o serviço, senti-me orgulhoso. Tudo foi muito bem até ali. As dificuldades apareceram depois. Como levar a canoa ao mar! Tentei todos os meios, sem conseguir mover de um dedo a canoa. Que estúpido havia sido! Quem tem juízo, primeiro olha a largura do valo antes de pular. Errei e pagava o meu erro.

MEU GUARDA-SOL

O tempo ia passando e com ele as coisas trazidas do navio também iam-se acabando. Os biscoitos duraram apenas um ano, comendo um por dia, como já falei. As minhas roupas começaram a virar trapo. Havia a compensação de que o clima era tropical. Tive que recorrer às peles dos animais. Fiz um gorro. Com o bom resultado, veio a idéia de fazer mais coisas e vira e mexe acabei fazendo um terno inteiro. Depois me veio a idéia de fazer um guarda sol, objeto muito usado no Brasil, terra de sol quente, muito mais seria ali, onde o sol queima como fogo. Comecei a fazer um. Custou-me um bocado. Não saiu guarda sol de abrir e fechar. Era fixo, sempre aberto. Trabalhei nele como quem se diverte em fazer um brinquedo. Foi de grande proveito, permitindo-me sair do castelo com qualquer tempo. Cinco anos já se haviam passado. Durante todo esse tempo, nunca estive ocioso. Procurava sempre me ocupar de qualquer coisa. Único meio de enganar a solidão. De manhã, lia passagens da Bíblia, depois cuidava do almoço e, embora falhasse a primeira tentativa, continuava dentro de minha cabeça, mais viva do que nunca, a idéia da construção da canoa.


Desta vez fiz uma canoa menor. Servia apenas para passeios ao redor da ilha. Antes de a estrear, armei-a com um pequeno mastro a vela, feito de um pedaço que ainda restava das velas do navio. Também arrumei dois ganchos onde minha espingarda pudesse descansar bem ao meu alcance. Não me esqueci do guarda-sol. Lá fui para a canoa, com os objetos necessários. E, assim preparado, iniciei uma série de passeios. Um dia deliberei rodear a ilha de canoa. Carreguei-a com 12 pães e dois quartos de cabrito já assados. Também pólvora e chumbo, para muitos tiros. Parti em novembro e foi essa a mais dura e perigosa viagem da minha vida. Havia muitos rochedos na costa. Em certo ponto fui apanhado por uma corrente marinha que por um triz não deu cabo de minha vida. Estive assim muito tempo, até que a corrente me levou para mar alto. Dei-me por perdido. Não enxergava terra. Súbito, notei que a canoa havia beirado a corrente. Tomei o remo, desesperado remei, e de repente percebi que havia me safado da corrente. Que alegria! Cheguei à ilha, afinal, são e salvo! Havia escapado!

UMA VOZ HUMANA

Meu primeiro movimento, ao pisar em terra firme, foi render graças a Deus. Depois deitei-me na relva para descansar. Estava tão fatigado que dormi imediatamente só acordando no dia seguinte. O mar havia me deixado doente. Assim de guarda-sol aberto lá me fui na direção do meu castelo. Cheguei já noite e deitei-me para dormir. De repente ouvi dentro da escuridão uma voz dizer claramente: Robinson Crusoé !Robinson Crusoé! Será sonho? Pensei arregalando os olhos. Não era. Ouvi novamente, bem claro. Pus-me de pé num salto. Mas vi logo o que era. Vi o vulto do meu papagaio, num pau rente ao meu ombro. Fi-lo pousar no meu dedo, como era seu costume e aproximei-o de mim. Deu-me bicadas amigas na mão sempre repetindo o meu nome. Fiquei convencido de que o papagaio, tinha amor por mim.

SINTO-ME FELIZ COMO UM REI

Farto de aventuras, deixei-me ficar no castelo com os meus amigos. O papagaio, o gato, as cabras e cabritos. Era um rei num reino sem súditos. Se alguém me visse, haveria de rir-se, se é que não sentisse medo. Um gorro muito sem jeito na cabeça, colete e calças largas de peles e um esquisito par de sandálias de couro nos pés amarradas com correias. Ao redor da cintura um largo cinto de couro. A espingarda, e sempre um saco de coisas ao ombro. É que a lembrança do naufrágio estava sempre presente na minha lembrança.

SINAIS NA AREIA
Quando fazia bom tempo eu costumava ir ao outro lado da ilha de canoa contornando pela praia. Tais excursões para mim constituíam um real prazer. Numa destas vezes distraído imaginem o que encontrei a olhar para o chão? A marca de um pé humano, impressa na areia da praia. Esfriei: parecia que o sangue se houvesse gelado em minhas veias. E ali fiquei paralisado, como quem dá com fantasma. Voltei a examinar o rasto novamente. O rasto lá estava - a marca do calcanhar, da sola, e dos dedos de um pé humano. Tão amedrontado fiquei que desisti do passeio de canoa e voltei ao castelo a toda pressa. Precisava me preparar para a defesa. Não pude dormir nessa noite. Por fim decidi comigo mesmo que aquele rasto só poderia ser de algum índio que houvesse desembarcado na ilha. Mas onde estaria ele? Tamanho foi o meu medo que passei três dias sem sair do castelo. Cheguei a passar fome. Pouco a pouco, entretanto, fui sossegando e criei coragem. Fui escondendo-me até o cercado das cabras, para conseguir um pouco de leite. Os pobres animais ficaram tão contentes de me ver. Tudo isso porque havia enxergado na areia a marca de um ser da minha espécie.

SELVAGENS
Certa manhã, sai de casa muito cedo para ceifar o meu trigo. Fazia tanto calor nessa estação que eu só trabalhava pelas manhãs. Em meio do trajeto, parei, surpreso. Havia visto ao longe a luz de uma fogueira. Quem teria acendido o fogo? Só poderiam ter sido os selvagens. Fiquei imóvel a olhar. Trepei ao topo, levando comigo os óculos de alcance, que tinha desde o naufrágio. Lá de cima deitei-me e pus-me a sondar ao longe através da luneta. Vários selvagens nus estavam sentados em redor de um pequeno fogo. Contei cinco. Aquele fogo não seria para se aquecerem visto não estar fazendo frio. Logo estavam assando qualquer coisa, talvez carne humana, já que eram canibais. Assim que se foram, corri a outro ponto mais alto, para ver a direção que levava a canoa deles. Acompanhei as canoas, até perdê-las de vista. Depois fui ter ao lugar do banquete. Horrendo quadro chocou meus olhos. A areia estava coberta de sangue e ossos, Não havia dúvida que tinham matado algum prisioneiro e devorado sua carne. Desde essa época não mais me senti seguro na ilha. Deixei de caçar com espingarda e de fazer fogo. Também encurtei muito os meus passeios. De dia só pensava em um meio de escapar aos selvagens e de noite sonhava horríveis sonhos, cheios de cenas de canibalismo.

FIZ UMA FORTIFICAÇÃO NO ALTO DAQUELE MORRO

Fiquei tão assustado que resolvi fazer uma trincheira em cima daquele morro, pois era estratégico aquele lugar. Dava uma ampla visão da praia, do mar e de tudo lá em baixo. Levei as duas espingardas carregadas e passava horas e horas na observação daquele vista. Parecia ver novamente aquela cena anterior, onde aqueles índios haviam feito uma fogueira e assado com certeza algum inimigo. Via também por lembrança aquelas três canoas que os haviam trazido. Sentia repugnância ao lembrar aquele sangue e ossos na praia. Assim, passei nessa observação por muitos dias. Levava o que comer e água e só saía quando chegava o anoitecer. Mas não os vi mais. Com certeza eram de outra ilha e só ali estiveram para o macabro churrasco.

SEXTA FEIRA
Em Maio houve formidáveis tempestades na ilha. Choveu sem parar, de dia e de noite, durante todo aquele mês. Chuva violentíssima, acompanhada de relâmpagos que cegavam e trovões medonhos. Acostumado como estava, fiquei no castelo feliz, por ter tal morada com que abrigar-me. Pus-me a ler a Bíblia. Mais dois anos se passaram sem novidades. Numa noite perdi o sono e fiquei horas na rede a virar-me de um lado para o outro, sem conseguir pregar o olho. Tudo o que se passara comigo até aquele momento me veio à memória. Recordei os primeiros anos na ilha, felizes sem cuidados. Recordei com inquietação o encontro do primeiro rasto humano na areia. Tal idéia tomou tal corpo em meu espírito que nunca mais me livrei dela. Acordado ou dormindo, só pensava naqueles acontecimentos. Certa manhã de junho, tive uma surpresa. Vi vária canoas em seco na praia. Trepei no alto da muralha e, através do óculos de alcance, pude avistar alguns índios inteiramente nus, a dançarem, ao redor do fogo. Estavam assando carne em brasas - não sei se carne humana ou não. Em certo momento, alguns deles dirigiram-se a uma das canoas e trouxeram de lá, arrastado, um prisioneiro que se debatia e, em dado momento, conseguiu ludibriá-los fugindo em disparada veloz. Nunca vi ninguém correndo assim. E veio em direção do castelo. Fiquei grandemente agitado. Entre o castelo e os selvagens havia um rio. Se o fugitivo conseguisse cruzar o rio a nado, certo estaria salvo. Atravessou-o veloz como um peixe. Chegou a hora de pegar o meu índio - disse eu comigo. Deste lado! Gritei-lhe. Corra para cá que eu te defenderei.
Está claro que o pobre não entendeu a linguagem e meus gestos. Mas não havia tempo a perder. Os índios que o perseguiam desistiram de atravessar a nado o rio, que nessa época estava muito cheio devido às fortes chuvas. Livre dos índios, ali estava o fugitivo, olhando-me com os olhos esbugalhados. Chamei por ele: - Venha cá, amigo. Não farei mal algum a você. Como não entendesse, traduzi essas palavras em gestos. Ele caminhou alguns passos em mina direção e parou indeciso. Fiz outro sinal e ele caminhou mais uns passos e parou. Tremia como geleia. Receava que o matasse. Mas meus gestos foram convencendo-o de que não estava diante de um inimigo. E por fim chegou-se. Ajoelhou-se aos meus pés, curvando a cabeça até encostá-la no chão. Era uma maneira de jurar-me submissão para sempre. Falei-lhe mansamente, com tom amigo. Estava enfim livre de minha solidão de 25 anos.

MEU AMIGO SEXTA FEIRA Selvagem como era, falou tantas coisas que não entendia. Mas que linda, sua voz, e como foi agradável ouvir outra vez a voz humana. Assim que cheguei, dei-lhe um pedaço de pão e uma bilha de água. O pobre estava morrendo de sede e bebeu o pote inteiro. Depois deitou-se na palha e dormiu profundamente. Era um belo índio. Não muito alto, mas forte. Cabelos compridos e negros. Testa alta e larga. Olhos muito brilhantes. Tinha a face redonda e cheia, o nariz bem formado, os lábios finos e os dentes alvos como marfim. A pele, cor de azeitona. Depois de dormir por longo tempo acordou e vendo-me a tirar leite das cabras, fez gesto se podia sair. Comecei a ensinar-lhe algumas palavras. Era bem vivo e aprendia depressa a significação de várias palavras. Pus-lhe o nome de Sexta-Feira pelo fato de o ter salvo numa sexta- feira. As primeiras palavras aprendidas foram "Mister" e sim e não. A noite dei-lhe una tigela de leite e um pedaço de pão. Meu primeiro cuidado foi ver se os índios tinham deixado a ilha. Espiei pelos óculos. Não estavam mais lá. No dia seguinte, armei a tenda para o meu novo companheiro. E como não tivesse roupa, comecei a fazer-lhe um terno de peles. Dei-lhe uma calça de brim que achei na canastra do naufrágio. Fiz-lhe uma jaqueta e um gorro de peles de coelho.

SEXTA FEIRA APRENDE MUITAS COISAS

Alguns dias depois, levei Sexta-Feira à caça e à pesca. Ao chegar em certo ponto, dei com vários cabritos selvagens, descansando à sombra de uma árvore. Fiz sinal de alto, e tomando a espingarda, apontei e.... pum... Matei um dos cabritos, e meu índio quase morreu de susto. Assim que Sexta-Feira percebeu o que havia acontecido, foi correndo buscar a caça. Mais adiante dei com um peru e pum... A ave caiu. Sexta- Feira olhava para a ave e tremia. Estava assombrado. Levou o cabrito para o castelo, tirou-lhe a pele e esquartejou o animal. Fiz um ensopado para o jantar, que para o índio só tinha um defeito: o sal. Sexta-Feira nunca pode acostumar-se ao sal. Ensinei-lhe como debulhar as espigas de trigo e como moer os grãos. Depois ensinei-lhe a fazer pão e a enfornar a massa. Ficou tão perito que tomou conta da padaria. Expliquei-lhe, um dia, o manejo da espingarda, como se carregava a pólvora, como a bala saía do cano. Contei dos grandes países do outro lado do mar. E também contei toda a minha história. Disse que eu havia vindo de um desses navios o qual, batendo em uma grande pedra, afundara. Contei-lhe de minha canoa. O índio quis vê-la. Levei-o para o sítio onde estava a canoa grande que eu não pudera arrastar até o mar. Mas estava podre, pois fazia já muitos anos que eu a fizera. Eram 25 anos que eu ali estava e mais 2 que havia encontrado o índio. Esses dois anos foram os mais felizes de minha estadia na ilha. Que me faltava? Tinha até com quem conversar!
Porque então essa idéia de deixar a ilha? Saudades, saudades da família e do meu povo. Apesar disso, continuei, como sempre, a fazer as plantações, a cuidar de tudo como se estivesse que ficar na ilha o tempo todo, a vida inteira. Nisto chegou a estação das águas. Demos por findos os trabalhos do campo e guardamos a canoa na praia do rio. Também a cobrimos com achas de madeira, de modo que as águas da chuva não as enchessem. Passamos a estação das chuvas no castelo. De manhã eu lia passagens da Bíblia procurando interessar Sexta-Feira. Falei-lhe um dia do Criador. Perguntei quem havia feito o mar, as estreles, os rios, as montanhas e as flores, tudo enfim. Respondeu-me que foi o grande Ser, que vivia para além de tudo o que existe. Creio que ele não poderia dar melhor resposta.

APARECE UMA VELA NO HORIZONTE
Tenho que pular muitas coisas que aconteceram nestes últimos tempos para que esta história não fique demasiadamente longa. Vou apenas contar o grande acontecimento que se deu, para encerrar a fase de minha vida na ilha. Foi assim. Eu ainda estava dormindo, quando fui despertado pelos gritos de Sexta-Feira lá fora.
- Senhor, Senhor! Um navio, um navio! Pulei da cama como um relâmpago. E pela primeira vez saí sem me lembrar da espingarda. De fato. A três milhas da costa, avistei um bote que rumava para a ilha. Aproximava-se rápido. Trazido por uma vela em forma de presunto. Não podia ser embarcação de índio. Desci ao castelo e disse a Sexta-Feira que ficasse em casa quieto, até verificarmos se eram amigos ou não. Parecia navio inglês. O bote ia chegando à praia. Pude ver seus homens distintamente. Eram ingleses, sem dúvida.

Em seguida todos os marinheiros se espalharam pela ilha. Muito bem, pensei comigo. A maré montante, leva muitas horas para vir. Nesse intervalo, terei muito tempo para saber o que querem aqui. Preparei as espingardas. E pus-me a esperar a noite. Sexta- Feira, vamos sair e ver o que se passa. Não nos viram chegar. Plantei-me diante deles e disse: Quem são vocês? Nunca vi maior surpresa estampada em faces humanas. Pularam de pé. Tinham perdido a voz de susto. Não se assustem. Sou amigo. Venho trazer-lhes auxilio. Então - disse um deles - deve ter caído do céu, porque só do céu nos poderia vir socorro neste momento. Sou inglês - expliquei - e estou pronto a auxiliar vocês. Tenho um servo índio, bem armado. Conte-me depressa o que há.


O capitão entre eles explicou que vieram à ilha em busca de água e frutas de que precisavam. - Muito bem, respondi, poderei supri-los do que necessitam. Contei minha história ao capitão, que muito se admirou de minha aventura. - Então você se transformou em um autêntico governador da ilha ROBINSON CRUSOÉ. Assim me chamaram e assim fiquei sendo.

ROUPAS NOVAS Na manhã seguinte, dormi até tarde para reparar as forças e acalmar-me das fortes emoções da véspera. Em seguida ouvi alguém chamando: Governador, governador. Era a voz do capitão. Corri ao seu encontro. O bom homem apontou para o mar. Olhe, perto da praia está o navio. Meu caro amigo, disse ele. Eis o nosso navio. Podemos embarcar. Minha emoção era grande. Nada pude responder. Abracei-o. Por fim, um acesso de lágrimas me tomou e chorei como uma criança. Logo que me acalmei, o capitão disse-me que me havia trazido um presente. Gritou para os marinheiros: Tragam o presente do governador. Os marinheiros trouxeram uma arca de madeira. Depositaram-na aos meus pés. O capitão fez um gesto de que a abrisse e me servisse. Assim fiz. Encontrei lá, duas libras de fumo, doces enlatados, garrafas de suco de laranja. Mas no fundo é que estava a grande surpresa sob a forma de seis camisas novas, seis gravatas de seda, dois pares de luvas, um par de sapatos, meias, um chapéu e um lindo terno de roupa. Podia vestir-me de gente outra vez. Mas havia tantos anos que não usava aquelas coisas que me senti desajeitado. Quando me apresentei com os meus novos trajes. O pobre Sexta-Feira não me reconheceu. No dia seguinte, tudo ficou pronto para a partida.

Assim, a 19 de dezembro de 1.687, partimos para a Inglaterra, tendo eu estado na ilha, 28 anos, dois meses e 19 dias. Levei o gorro de pele de cabra, o famoso guarda-sol. O papagaio também. Um outro papagaio, pois o primeiro,Pool, havia morrido. Quanto a Sexta-Feira, nada no mundo o faria separar-se de mim. Foi também. Tivemos viagem demorada e difícil, mas a 19 de junho alcançamos Londres. Estava em casa. Estava finalmente em minha terra. Corri a Iorque. Meus pais estavam mortos, havia longo tempo. Os amigos da juventude já não se recordavam de mim. Achei-me só no mundo. Que iria fazer?
Por felicidade, minha fazenda no Brasil prosperara. Um homem que lá deixei tomando conta tinha cultivado muito fumo e ganho muito dinheiro. Era um homem honesto. Assim que soube que eu estava vivo, escreveu-me uma carta comprida, dando conta de tudo. Também me remeteu uma vultosa soma em dinheiro, o que muito me contentou. Estava rico, pois se quisesse passaria o resto de minha vida na ociosidade. Mas a ociosidade me era odiosa. Pus-me a viajar, a ver mais o mundo, e novas e extraordinárias aventuras se sucederam. Essas, porém, não cabem num livro que está no FIM.