terça-feira, 30 de junho de 2009

Curiosidades linguísticas

"Dourar a pílula". Eufemismo?

Essa expresão significa suavizar uma ideia, trocando a palavra ou expressão própria por outra menos desagradável ou chocante. Dizemos descansou em vez de morreu. Desviou recursos em lugar de roubou. Os menos favorecido para não ter que dizer pobre. Ou seja, costumamos dourar a pílula.

Questão de diplomacia

No mundo da diplomacia, um deslize verbal pode abalar o relacionamento entre dois países. Jamais devemos chamar uma embaixadora de embaixatriz. Ambas as palavras fazem o feminino de embaixador. Porém, a diferença entre uma e outra é imensa: embaixadora é a mulher que ocupa o cargo mais elevado numa embaixada, enquanto embaixatriz é apenas... a esposa do embaixador.

O tempo não para

Hoje é hoje. Amanhã é depois de hoje. E depois de amanhã (sem hífens) é daqui a dois dias. E como voltar para o passado? Ontem foi antes de hoje. Antes de ontem é anteontem. E antes de anteontem? Trasanteontem. Por incrível que pareça!

Medicina gramatical

Às vezes falamos com imprecisões de sentido. Por exemplo: tirar a pressão. Se uma enfermeira tirar a minha pressão sanguínea, eu morro na hora. É bem melhor pedir-lhe para medir ou aferir a pressão.

Como ser brasileiro em Lisboa sem dar (muito) na vista


Sim, eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis "águas de bacalhau ". Está vendo? Você já começou a não entender. O fato é que, como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra e dos Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma língua. Se não acredita, veja só esses exemplos.(...)

Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranquilamente pela estrada Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso: “Cuidado com as bermas". Eles ficaram assustados – que diabo seria berma? Alguns metros à frente, outro aviso: "Cuidado com as bermas". Não resistiram, pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranquilos quando souberam que berma era o acostamento.

Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos – peça para ver os fatos, paletó é casaco. Meias são peúgas, suéter é camisola – mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas . (Não é uma delícia?). Pelo mesmo motivo, as fraldas de crianças são chamadas cuequinhas de bebé. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer . Pasta de dentes é dentífrico. Ventilador é ventoinha. E no caso (gravíssimo) de você ter de tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer porque é feio.

As maiores gafes de brasileiros em Lisboa acontecem (onde mais?) nos restaurantes, claro. Não adianta perguntar ao gerente do hotel onde se pode beliscar alguma coisa, porque ele achará que você está a fim de sair aplicando beliscões pela rua. Pergunte-lhe onde se pode petiscar. Os sanduíches são particularmente enganadores: um sanduíche de filé é chamado de prego; cachorros-quentes são simplesmente cachorros. E não se esqueça: um cafezinho é uma bica; uma média (café com leite) é um galão, e um chope é uma imperial. E, pelo amor de Deus, não vá se chocar quando você tentar furar uma fila e algum gritar lá de trás: "O gajo está a furar a bicha!" Você não sabia, mas em Portugal chama-se fila de bicha. E não ria.

Ah, que maravilha o futebol em Portugal! Um goleiro é um guarda-redes. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada – ou seja, camisa vermelha. Gol é golo. Bola é esférico. Pênalti é penálti. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se alejou, mesmo que se recupere com uma simples massagem. Gramado é relvado, muito mais poético, não é?(...)

Para se entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também uma outra linguística. Para começar, não se diz crianças, mas miúdos. (Não confundir com miúdos de galinha, que são chamados de miudezas. Os miúdos da galinha portuguesa são os pintos). Quando um guri inferniza a vida do pai, este não o ameaça com a tradicional "Dou-lhe uma coça!", mas com "Dou-te uma tareia!", ou então com o violentíssimo "Eu chego-te a roupa à pele!"
Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se: "Não gramo aquele gajo". Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer: "Estou-me nas tintas", ou então: "Estou-me marimbando" (...) Um homem bonito, que as brasileiras chamariam de gato, é chamado pelas portuguesas de pessegão. E uma garota muito linda (um avião) é, não sei por quê, um borrachinho.

Mas o meu pior equívoco em Portugal foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria: "Podem me mandar um bombeiro para consertar a descarga da privada"? O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia ter dito: "Ó pá, manda um canalizador para reparar o autoclisma da retrete".

(Castro Ruy "Como ser brasileiro..." Viaje bem revista de bordo da VASP, ano Vlll n.3/78)

Quem já não viveu uma bela aventura na infância? Bela, curta e... perigosa! Uma boa leitura.

Na Traseira do Caminhão

Drauzio Varella

Quando eu tinha sete, oito anos, virou moda na minha rua chocar caminhão: pendurar-se na traseira do veículo e saltar na virada da esquina. Uma vez, choquei o caminhão de lixo e quando pulei na frente de casa, meu pai, que chegava do trabalho, estava parado no portão com cara de quem não gostou da gracinha. Recebi o mais detestável dos castigos: domingo inteiro de pijama na cama.

Cabeça-dura, repeti a façanha outras vezes, até que decidi chocar a caminhonete do seu Germano, o alemão da fábrica em frente, só para me exibir para os meninos, que morriam de medo dele. Sentei na calçada ao lado da caminhonete. Dois operários puseram umas caixas na carroceria. Seu Germano, saindo para o almoço, deu a partida. Eu pendurado atrás. Infelizmente, na esquina, em vez de diminuir a velocidade ele acelerou, e me faltou coragem para pular.

Fomos na direção do largo Santo Antônio, cada vez mais depressa, eu com os ossos batendo na lataria, morto de medo de cair. Ao chegar no largo, duas senhoras me viram naquela velocidade e gritaram para parar. Seu Germano nem ouviu. Com os braços cansados, fiz um esforço para saltar para dentro da carroceria, mas a caminhonete pulava feito cavalo bravo nos paralelepípedos da rua e eu não consegui. Tentei de novo e não deu. Mais uma vez, pior ainda. Então, fiquei apavorado. Achei que ia morrer e que meu pai ia ficar muito triste, porque ele sempre dizia: "Deus me livre, perder um de vocês".

Talvez o medo da morte tenha me dado força na quarta tentativa: esfolei a canela inteira, mas consegui passar a perna e impulsionar o corpo para dentro. Caí no meio das caixas, com o coração disparado, e chorei. Quando a caminhonete parou na porta do seu Germano, achei melhor ficar quietinho entre as caixas, até ele voltar para a fábrica depois do almoço. Também não deu certo: ele resolveu descarregar a caminhonete e me encontrou escondido. Tomou um susto tão grande que até pulou para trás:

— Menino dos infernos! Como veio parar aqui?

Expliquei que só queria chocar até a esquina, mas a velocidade tinha sido tanta... Ele ficou enfezado e disse que ia contar para o meu pai. Pedi para não fazer isso porque eu ia apanhar, mas ele não se importou, falou que era merecido até. Mostrei as pernas esfoladas, ele não se comoveu. Por fim, contei dos domingos de castigo na cama. Nesse momento, brilhou um instante de compaixão no olhar dele:

— Seu pai deixa você de pijama, deitado o domingo inteiro?

— Só quando eu desobedeço muito.

— Está louco! Teu pai é severo como o meu, na Alemanha. Entre na caminhonete que eu te levo de volta.

No caminho, ele me deu conselhos e me contou do pai. Achei que os castigos do pai dele eram muito piores. O meu nunca tinha me trancado no guardaroupa a noite inteira. Seu Germano concordou em manter segredo, desde que eu prometesse nunca mais chocar veículo nenhum. Desde então, apesar do jeito bravo, ele ficou meu amigo. Quando me encontrava, às vezes dizia:

— Não vá esquecer: menino que cumpre a palavra merece respeito.


Drauzio Varella nasceu em São Paulo, em 1943. É médico cancerologista. Escreveu o “best-seller Estação Carandiru” (Companhia das Letras, 1999), um relato sobre a sua experiência como médico no maior presídio do Brasil. O conto "Na traseira do caminhão" está no primeiro livro infantil de Drauzio, “Nas ruas do Brás” (Companhia das Letrinhas, 2000). Neste livro, Drauzio lembra de sua infância, passada no bairro paulistano do Brás, onde viviam imigrantes e descendentes de imigrantes de vários países — crianças como o próprio Drauzio, neto de espanhóis e portugueses que vieram morar no Brasil.


segunda-feira, 29 de junho de 2009

Adequação linguística, uma questão de bom senso


Há muito tempo se discute o que é certo e o que é errado com relação aos usos da linguagem. Usar a língua é como usar roupas, tudo é permitido desde que sejam respeitadas as convenções necessárias. Ninguém vai à praia num dia de sol usando terno, gravata ou salto alto e vestido de noite. Assim como ninguém vai para uma entrevista de emprego de biquíni, canga ou sunga e chinelos. Imagine você chegando a uma festa em que todos estão usando terno, gravata e vestido longo e só você está de jeans e camiseta. Seria o “mico” do ano. Com a linguagem acontece o mesmo. Temos vários estilos de linguagem - variantes lingüísticas - e nada é errado, desde que saibamos usá-los de acordo com as convenções sociais.

Cada comunidade tem sua própria forma de se expressar. Se pensarmos em nível nacional, cada região do país tem sua maneira de usar a língua. Um gaúcho fala diferente do mineiro, que fala diferente do paulista, que fala diferente do pernambucano, e assim por diante. A essas diferenças chamamos variantes lingüísticas. Não há uma variante melhor que a outra, todas são igualmente importantes e representativas da cultura das comunidades que as falam. Portanto, quando rimos de um caipira que fala “Nóis fizemu um bolo procê”, estamos agindo com preconceito, o preconceito lingüístico, porque julgamos nossa forma de falar superior a do outro. Portanto cada povo não só pode, como deve, preservar sua forma de se comunicar dentro de sua comunidade, pois essa fala nos representa, ela é parte determinante do que somos

Com a língua escrita a coisa não é muito diferente. Temos os vários ambientes de escrita e cada um deles é diferente do outro. Um texto jurídico é diferente de um texto acadêmico, que é diferente de um bilhete, que é diferente de um bate-papo no MSN e assim por diante. Portanto, tanto na língua falada, como na escrita, devemos respeitar algumas convenções.

Existe uma necessidade de nos fazermos entender e para isso devemos respeitar algumas regras. O uso de uma variante lingüística qualquer dentro de um ambiente que requer o uso da variante padrão pode ocasionar problemas de comunicação. Imagine você abrindo um jornal de circulação nacional e lendo a seguinte manchete: “Menino rouba o cacetinho do padeiro”. Muitos de nós nos assustaríamos com esse texto, entretanto trata-se de uma linguagem regional, para algumas comunidades cacetinho é pão. Nesse caso o que houve foi o uso inadequado da linguagem regional. Um jornal de circulação nacional exige que a notícia seja escrita em língua padrão, ou seja, aquela linguagem que é comum a todos.

Na internet é muito comum ocorrem erros assim. Pessoas acostumadas a usar os chats, fazem uso do internetês, linguagem criada para facilitar os diálogos, para agilizar as conversas. Não é problema algum as pessoas se utilizarem de expressões como, “vc”, “naum”, “kza”, quando estão teclando no MSN ou em qualquer outro ambiente de bate-papo, desde que o interlocutor domine a mesma linguagem. Entretanto quando essas pessoas estendem essa linguagem a outros ambientes, como fazer comentários em blogs, escrever textos em blogs, em qualquer outro site da internet, ou texto profissional ou escolar, estão cometendo o “pecado” da inadequação lingüística. Um texto que pode ser lido por milhões de pessoas deve ser escrito na língua padrão, deve respeitar as regras exigidas por essa variante para que todos se entendam. É importante que conheçamos a língua padrão para que possamos nos comunicar com todos e mostrarmos conhecimento e domínio do nosso idioma. Ninguém consegue um bom emprego se escrever um currículo cheio de abreviações e erros ortográficos. Imagine alguém enviar um currículo escrito “Ispecialista em makinas de flucho”. O profissional pode ser o melhor especialista da área, mas dificilmente irá conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho, pois demonstra um péssimo conhecimento lingüístico.

A internet é hoje um dos meios que temos para conhecer as pessoas e suas capacidades. Através de um texto escrito por alguém no ambiente virtual podemos avaliar sua formação e seus conhecimentos. Saber transitar por várias variantes lingüísticas e adequá-las ao ambiente correto é uma amostra da capacidade intelectual e também profissional do autor do texto. Por isso devemos cuidar da nossa linguagem, como cuidamos do nosso visual, caso contrário nossos textos se tornarão o “mico da net”.


Elaine Cristina Carvalho Duarte é formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais e mestre em Literatura pela Universidade de Brasília. Tem 34 anos de idade, é natural de Itajubá, Minas Gerais e reside, atualmente, na Noruega.


domingo, 28 de junho de 2009

Girafa

Leio que no Jardim Zoológico há uma girafa, macho e triste, chamada Santoro, que matou a companheira e por sua vez está morrendo de tristeza. Ao lado da notícia, uma foto do animal: o pescoço infinito ergue contra as nuvens do céu uma cabeça de fábula. É a própria imagem da solidão.
Todo homem solitário é uma girafa. Perdoem se deliro, mas é. Como veem, discordo de Kafka,
que transformou um homem solitário em inseto. Há os que viram inseto, admito, mas há os que atravessam as ruas vertiginosamente sós, com a cabeça nas nuvens. Se ser solitário é ser girafa, o que não será uma girafa solitária?
Consulto o fascinante livro Mamíferos, editado pelo MEC, aprendo que nas horas de aflição as girafas gemem baixinho — é a sua fala. E, para confirmar minha intuição, leio que, por ter pescoço tão comprido, a girafa não consegue lamber o próprio corpo. É a companheira quem faz esse serviço para ela. Quer dizer que uma girafa solitária não se basta, nem pra se coçar. A forma diz tudo. O pescoço a distancia de si mesma. E penso com mais pena ainda na girafa Inocêncio Santoro, só, no Jardim Zoológico, fitando por cima das árvores um horizonte sem esperanças...

(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2003. p. 90)

Por que algumas aves voam em bando formando um V?

Elas parecem ter ensaiado. Mas é claro que isso não acontece. Quem nunca viu ao vivo, já observou em filme ou desenho animado aquele bando de aves voando em "V". Segundo os especialistas, esta característica de voo é observada com mais freqüência nos gansos, pelicanos, biguás e grous.
Há duas explicações para a escolha dessa formação de voo pelas aves.
A primeira consiste na economia de energia que ela proporciona. Atrás do corpo da ave e, principalmente, das pontas de suas asas, a resistência do ar é menor e, portanto, é vantajoso para as aves voar atrás da ave dianteira ou da ponta de sua asa. Ou seja: ao voarem desta forma, as aves poupariam energia, se esforçariam menos, porque estariam se beneficiando do deslocamento de ar causado pelas outras aves. Isso explicaria, até, a constante substituição do líder nesse tipo de bando.
Essa é a primeira explicação para o voo em "V". E a segunda? O que diz? Ela sustenta que esse tipo de voo proporcionaria aos integrantes do bando um melhor controle visual do deslocamento, pois em qualquer posição dentro do "V" uma ave só teria em seu campo de visão outra ave, e não várias. Isso facilitaria todos os aspectos do voo. Os aviões militares de caça, por exemplo, voam nesse mesmo tipo de formação, justamente para ter um melhor campo de visão e poder avistar outros aviões do mesmo grupo.
Essas duas explicações não são excludentes. É bem possível que seja uma combinação das duas o que torna o voo em "V" favorável para algumas aves.

(NACINOVIC, Jorge Bruno, Por que algumas aves... Ciência Hoje das Crianças, Rio de Janeiro, n. 150, set. 2004.)

sábado, 27 de junho de 2009

Esse texto de Ferreira Gullar dá título ao seu livro da coleção Para gostar de Ler

O menino e o arco-íris

Era uma vez um menino curioso e entediado. Começou assustando-se com as cadeiras, as mesas e os demais objetos domésticos. Apalpava-os, mordia-os e jogava-os no chão: esperava certamente uma resposta que os objetos não lhe davam. Descobriu alguns objetos mais interessantes que os sapatos: os copos – estes, quando atirados ao chão, quebravam-se. Já era alguma coisa, pelo menos não permaneciam os mesmos depois da ação. Mas logo o menino (que era profundamente entediado) cansou-se dos copos: no fim de tudo era vidro e só vidro.
Mais tarde pôde passar para o quintal e descobriu as galinhas e as plantas. Já eram mais interessantes, sobretudo as galinhas, que falavam uma língua incompreensível e bicavam a terra. Conheceu o peru, a galinha-d'Angola e o pavão. Mas logo se acostumou a todos eles, e continuou entediado como sempre.
Não pensava, não indagava com palavras, mas explorava sem cessar a realidade. Quando pôde sair à rua, teve novas esperanças: um dia escapou e percorreu o maior espaço possível, ruas, praças, largos onde meninos jogavam futebol, viu igrejas, automóveis e um trator que modificava um terreno. Perdeu-se. Fugiu outra vez para ver o trator trabalhando. Mas eis que o trabalho do trator deu na banalidade: canteiros para flores convencionais, um coreto etc. E o menino cansou-se da rua, voltou para o seu quintal.
Começou a cavar. Estava certo de que encontraria, ali, alguma coisa surpreendente. Cavou, cavou: achou uma rodela de metal, correu com ela para limpá-la e se decepcionou - era um níquel de 300 réis. Saiu de casa para cavar num terreno baldio e lá não encontrou nada mais que um caco azul de vidro de leite de magnésia. Acreditou, de início, tratar-se de fragmento de osso de algum animal estranho: osso de anjo? Não era.
O tédio levou o menino aos jogos de azar, aos banhos de mar e às viagens para a outra margem do rio. A margem de lá era igual à de cá. O menino cresceu e, no amor como no cinema, não encontrou o que procurava. Um dia, passando por um córrego, viu que as águas eram coloridas. Desceu pela margem, examinou: eram coloridas!
Desde então, todos os dias dava um jeito de ir ver as cores do córrego. Mas quando alguém lhe disse que o colorido das águas provinha de uma lavanderia próxima, começou a gritar que não, que as águas vinham do arco-íris. Foi recolhido ao manicômio. E daí?
(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2003. p. 11-12)

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Quando a escola é de vidro



Naquele tempo eu até que achava natural que as coisas fossem daquele jeito.
Eu nem desconfiava que existissem lugares muito diferentes...
Eu ia pra escola todos os dias de manhã e quando chegava, logo, logo, tinha que me meter no vidro.
É, no vidro!
Cada menino ou menina tinha um vidro e o vidro não dependia do tamanho de cada um, não!
O vidro dependia da classe em que a gente estudava.
Se você estava no primeiro ano ganhava um vidro de um tamanho.
Se você fosse do segundo ano seu vidro era um pouquinho maior.
E assim, os vidros iam crescendo à medida que você ia passando de ano.
Se não passasse de ano, era um horror.Você tinha que usar o mesmo vidro do ano passado.
Coubesse ou não coubesse.
Aliás, nunca ninguém se preocupou em saber se a gente cabia nos vidros.
E pra falar a verdade, ninguém cabia direito.
Uns eram muito gordos, outros eram muito grandes, uns eram pequenos e ficavam afundados no vidro, nem assim era confortável.
Os muitos altos de repente se esticavam e as tampas dos vidros saltavam longe, às vezes até batiam no professor.
Ele ficava louco da vida e atarrachava a tampa com força, que era pra não sair mais.
A gente não escutava direito o que os professores diziam, os professores não entendiam o que a gente falava...
As meninas ganhavam uns vidros menores que os meninos.
Ninguém queria saber se elas estavam crescendo depressa, se não cabiam nos vidros, se não respiravam direito...
A gente só podia respirar direito na hora do recreio ou na aula de educação física.
Mas aí a gente já estava desesperado, de tanto ficar preso e começava a correr, a gritar, a bater uns nos outros.
As meninas, coitadas, nem tiravam os vidros no recreio. E na aula de educação física elas ficavam atrapalhadas, não estavam acostumadas a ficarem livres, não tinham jeito nenhum para Educação Física.
Dizem, nem sei se é verdade, que muitas meninas usavam vidros até em casa.
E alguns meninos também.
Estes eram os mais tristes de todos.
Nunca sabiam inventar brincadeiras, não davam risada à toa, uma tristeza!
Se a gente reclamava?
Alguns reclamavam.
E então os grandes diziam que sempre tinha sido assim; ia ser assim o resto da vida.
Uma professora, que eu tinha, dizia que ela sempre tinha usado vidro, até pra dormir, por isso é que ela tinha boa postura.
Uma vez um colega meu disse pra professora que existem lugares onde as escolas não usam vidro nenhum, e as crianças podem crescer a vontade.
Então a professora respondeu que era mentira, que isso era conversa de comunistas.
Ou até coisa pior...
Tinha menino que tinha até que sair da escola porque não havia jeito de se acomodar nos vidros. E tinha uns que mesmo quando saíam dos vidros ficavam do mesmo jeitinho, meio encolhidos, como se estivessem tão acostumados que até estranhavam sair dos vidros.
Mas uma vez, veio para minha escola um menino, que parece que era favelado, carente, essas coisas que as pessoas dizem pra não dizer que é pobre.
Aí não tinha vidro pra botar esse menino.
Então os professores acharam que não fazia mal não, já que ele não pagava a escola mesmo...
Então o Firuli, ele se chamava Firuli, começou a assistir às aulas sem estar dentro do vidro.
O engraçado é que o Firuli desenhava melhor que qualquer um, o Firuli respondia perguntas mais depressa que os outros, o Firuli era muito mais engraçado...
E os professores não gostavam nada disso...
Afinal, o Firuli podia ser um mal exemplo pra nós...
E nós morríamos de inveja dele, que ficava no bem-bom, de perna esticada, quando queria ele se espreguiçava, e até meio que gozava a cara da gente que vivia preso.
Então um dia um menino da minha classe falou que também não ia entrar no vidro.
Dona Demência ficou furiosa, deu um coque nele e ele acabou tendo que se meter no vidro, como qualquer um.
Mas no dia seguinte duas meninas resolveram que não iam entrar no vidro também:
- Se o Firuli pode por que é que nós não podemos?
Mas Dona Demência não era sopa.
Deu um coque em cada uma, e lá se foram elas, cada uma pro seu vidro...
Já no outro dia a coisa tinha engrossado.
Já tinha oito meninos que não queriam saber de entrar nos vidros.
Dona Demência perdeu a paciência e mandou chamar seu Hermenegildo, que era o diretor lá da escola.
Seu Hermenegildo chegou muito desconfiado:
- Aposto que essa rebelião foi fomentada pelo Firuli. É um perigo esse tipo de gente aqui na escola. Um perigo!
A gente não sabia o que é que queria dizer fomentada, mas entendeu muito bem que ele estava falando mal do Firuli.
E seu Hermenegildo não conversou mais. Começou a pegar os meninos um por um e enfiar à força dentro dos vidros.
Mas nós estávamos loucos para sair também, e pra cada um que ele conseguia enfiar dentro do vidro - já tinha dois fora.
E todo mundo começou a correr do seu Hermenegildo, que era pra ele não pegar a gente, e na correria começamos a derrubar os vidros.
E quebramos um vidro, depois quebramos outro e outro mais e dona Demência já estava na janela gritando - SOCORRO! VÂNDALOS! BÁRBAROS!
(Pra ela bárbaro era xingação).
Chamem os Bombeiros, o Exército da Salvação, a Polícia Feminina...
Os professores das outras classes mandaram, cada um, um aluno para ver o que estava acontecendo.
E quando os alunos voltaram e contaram a farra que estava na 6° série todo mundo ficou assanhado e começou a sair dos vidros.
Na pressa de sair começaram a esbarrar uns nos outros e os vidros começaram a cair e a quebrar.
Foi um custo botar ordem na escola e o diretor achou melhor mandar todo mundo pra casa, que era pra pensar num castigo bem grande, pro dia seguinte.
Então eles descobriram que a maior parte dos vidros estava quebrada e que ia ficar muito caro comprar aquela vidraria toda de novo.
Então diante disso seu Hermenegildo pensou um bocadinho, e começou a contar pra todo mundo que em outros lugares tinha umas escolas que não usavam vidro nem nada, e que dava bem certo, as crianças gostavam muito mais.
E que de agora em diante ia ser assim: nada de vidro, cada um podia se esticar um bocadinho, não precisava ficar duro nem nada, e que a escola agora ia se chamar Escola Experimental.
Dona Demência, que apesar do nome não era louca nem nada, ainda disse timidamente:
- Mas seu Hermenegildo, Escola Experimental não é bem isso...
Seu Hermenegildo não se perturbou:
- Não tem importância. A gente começa experimentando isso. Depois a gente experimenta outras coisas...
E foi assim que na minha terra começaram a aparecer as Escolas Experimentais.
Depois aconteceram muitas coisas, que um dia eu ainda vou contar...

ROCHA, Ruth. Este admirável mundo novo. São Paulo:Salamandra, 1986.
Esse Nó(s)

eu me chamo eu.
a turma me chama nós.
longe da turma
me sinto só
mas sou eu.
com a turma sou nós
mas quero ser eu.
de nós em nós
eu sou mais eu.

TAVARES, Ulisses. Viva a Poesia Viva. São Paulo:Saraiva, 1997.
Ninho no coração

O passarinho
caiu do ninho.
Cortaram a árvore,
pisaram o ninho,
e o passarinho
não tem mais lar,
não tem mais mãe,
não tem mais nada,
não tem mais ninguém.

Agora só tem a mim
e eu agora tenho a ele.
Vou colocar com cuidado
no bolso da minha blusa.
Parece que está com frio,
pois pulsa na minha mão.
Quem sabe ele faz um ninho
dentro do meu coração?

BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo:Moderna, 1984.
Receita de Acordar Palavras

Palavras são como estrelas
facas ou flores
elas têm raízes pétalas espinhos
são lisas ásperas leves ou densas
para acordá-las basta um sopro
em sua alma
e como pássaros
vão encontrar seu caminho

MURRAY. Roseana. Receitas de olhar. São Paulo: FTD, 1997.
Receita contra dor de amor

Chore um mar inteiro
com todos seus barcos a vela
chore o céu e suas estrelas
os seus mistérios o seu silêncio
chore um equilibrista caminhando
sobre a face de um poema
chore o sol e a lua
a chuva e o vento

para que uma nova semente
entre pela janela adentro

MURRAY, Roseana. Receita de Olhar. São Paulo. FTD, 1997.
Joãozinho estava vendo um álbum e perguntou para a mãe:
-Mãe, quem são esses dois aqui nessa foto? Essa moça de branco e esse cabeludo de bigode ao lado dela?
E a mãe explicou:
-Sou eu e seu pai!
-Esse é que é papai? - perguntou o menino, assustado. - Então quem é esse careca que mora com a gente?


ZIRALDO. Mais anedotinhas do bichinho da maçã. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Cantiga de claridão

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

De noite, comendo o pão,
sinto o gosto dessa aurora
que te desponta da mão.

Fazes de sombras um facho
de luz para a multidão.
És um claro companheiro,
mas vives na escuridão.
Quero chamar-te de irmão.

E enquanto não chega o dia
em que o chão se abra em reinado
de trabalho e de alegria,
cantando juntos, ergamos
a arma do amor em ação.

A rosa já se fez flama
no gume do coração.

Camponês, plantas o grão
no escuro – e nasce um clarão.
Quero chamar-te de irmão.

Um dia vais ser o dono
do verde do nosso chão:
nunca vi verde tão verde
como o do teu coração.

MELLO, Thiago. Faz escuro mas eu canto. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1999.
A menina e o pássaro encantado
Rubem Alves

Era uma vez uma menina que tinha um pássaro como seu melhor amigo.
Ele era um pássaro diferente de todos os demais: era encantado.
Os pássaros comuns, se a porta da gaiola ficar aberta, vão-se embora para nunca mais voltar. Mas o pássaro da menina voava livre e vinha quando sentia saudades… As suas penas também eram diferentes. Mudavam de cor. Eram sempre pintadas pelas cores dos lugares estranhos e longínquos por onde voava. Certa vez voltou totalmente branco, cauda enorme de plumas fofas como o algodão…
— Menina, eu venho das montanhas frias e cobertas de neve, tudo maravilhosamente branco e puro, brilhando sob a luz da lua, nada se ouvindo a não ser o barulho do vento que faz estalar o gelo que cobre os galhos das árvores. Trouxe, nas minhas penas, um pouco do encanto que vi, como presente para ti…
E, assim, ele começava a cantar as canções e as histórias daquele mundo que a menina nunca vira. Até que ela adormecia, e sonhava que voava nas asas do pássaro.
Outra vez voltou vermelho como o fogo, penacho dourado na cabeça.
— Venho de uma terra queimada pela seca, terra quente e sem água, onde os grandes, os pequenos e os bichos sofrem a tristeza do sol que não se apaga. As minhas penas ficaram como aquele sol, e eu trago as canções tristes daqueles que gostariam de ouvir o barulho das cachoeiras e ver a beleza dos campos verdes.
E de novo começavam as histórias. A menina amava aquele pássaro e podia ouvi-lo sem parar, dia após dia. E o pássaro amava a menina, e por isto voltava sempre.
Mas chegava a hora da tristeza.
— Tenho de ir — dizia.
— Por favor, não vás. Fico tão triste. Terei saudades. E vou chorar…— E a menina fazia beicinho…
— Eu também terei saudades — dizia o pássaro. — Eu também vou chorar. Mas vou contar-te um segredo: as plantas precisam da água, nós precisamos do ar, os peixes precisam dos rios… E o meu encanto precisa da saudade. É aquela tristeza, na espera do regresso, que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for, não haverá saudade. Eu deixarei de ser um pássaro encantado. E tu deixarás de me amar.
Assim, ele partiu. A menina, sozinha, chorava à noite de tristeza, imaginando se o pássaro voltaria. E foi numa dessas noites que ela teve uma ideia malvada: “Se eu o prender numa gaiola, ele nunca mais partirá. Será meu para sempre. Não mais terei saudades. E ficarei feliz…”
Com estes pensamentos, comprou uma linda gaiola, de prata, própria para um pássaro que se ama muito. E ficou à espera. Ele chegou finalmente, maravilhoso nas suas novas cores, com histórias diferentes para contar. Cansado da viagem, adormeceu. Foi então que a menina, cuidadosamente, para que ele não acordasse, o prendeu na gaiola, para que ele nunca mais a abandonasse. E adormeceu feliz.
Acordou de madrugada, com um gemido do pássaro…
— Ah! menina… O que é que fizeste? Quebrou-se o encanto. As minhas penas ficarão feias e eu esquecer-me-ei das histórias… Sem a saudade, o amor ir-se-á embora…
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar. Mas não foi isto que aconteceu. O tempo ia passando, e o pássaro ficando diferente. Caíram as plumas e o penacho. Os vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste. E veio o silêncio: deixou de cantar.Também a menina se entristeceu. Não, aquele não era o pássaro que ela amava. E de noite ela chorava, pensando naquilo que havia feito ao seu amigo…
Até que não aguentou mais.
Abriu a porta da gaiola.
— Podes ir, pássaro. Volta quando quiseres…
— Obrigado, menina. Tenho de partir. E preciso de partir para que a saudade chegue e eu tenha vontade de voltar. Longe, na saudade, muitas coisas boas começam a crescer dentro de nós. Sempre que ficares com saudade, eu ficarei mais bonito. Sempre que eu ficar com saudade, tu ficarás mais bonita. E enfeitar-te-ás, para me esperar…
E partiu. Voou que voou, para lugares distantes. A menina contava os dias, e a cada dia que passava a saudade crescia.
— Que bom — pensava ela — o meu pássaro está a ficar encantado de novo…E ela ia ao guarda-roupa, escolher os vestidos, e penteava os cabelos e colocava uma flor na jarra.
— Nunca se sabe. Pode ser que ele volte hoje…
Sem que ela se apercebesse, o mundo inteiro foi ficando encantado, como o pássaro. Porque ele deveria estar a voar de qualquer lado e de qualquer lado haveria de voltar. Ah!
Mundo maravilhoso, que guarda em algum lugar secreto o pássaro encantado que se ama…
E foi assim que ela, cada noite, ia para a cama, triste de saudade, mas feliz com o pensamento: “Quem sabe se ele voltará amanhã….”
E assim dormia e sonhava com a alegria do reencontro.
* * *
Para o adulto que for ler esta história para uma criança, esta é uma história sobre a separação: quando duas pessoas que se amam têm de dizer adeus…Depois do adeus, fica aquele vazio imenso: a saudade.Tudo se enche com a presença de uma ausência.Ah! Como seria bom se não houvesse despedidas…Alguns chegam a pensar em trancar em gaiolas aqueles a quem amam. Para que sejam deles, para sempre… Para que não haja mais partidas…Poucos sabem, entretanto, que é a saudade que torna encantadas as pessoas. A saudade faz crescer o desejo. E quando o desejo cresce, preparam-se os abraços.Esta história, eu não a inventei.Fiquei triste, vendo a tristeza de uma criança que chorava uma despedida… E a história simplesmente apareceu dentro de mim, quase pronta.Para quê uma história? Quem não compreende pensa que é para divertir. Mas não é isso.É que elas têm o poder de transfigurar o quotidiano.Elas chamam as angústias pelos seus nomes e dizem o medo em canções. Com isto, angústias e medos ficam mais mansos.Claro que são para crianças.Especialmente aquelas que moram dentro de nós, e têm medo da solidão…
As mais belas histórias de Rubem Alves. Edições Asa, 2003
A rosa e a borboleta

Uma vez uma borboleta se apaixonou por uma linda rosa. A rosa ficou comovida, pois o pó das asas da borboleta formava um maravilhoso desenho em ouro e prata. Assim, quando a borboleta se aproximou voando da rosa e disse que a amava, a rosa ficou coradinha e aceitou o namoro. Depois de um longo noivado e muitas promessas de fidelidade, a borboleta deixou sua amada rosa. Mas ó desgraça! A borboleta só voltou muito tempo depois.
- É isso que você chama fidelidade? – choramingou a rosa. – Faz séculos que você partiu, e além disso você passa o tempo de namoro com todos os tipos de flores. Vi quando você beijou dona Gerânio, vi quando você deu voltinhas na dona Margarida até que dona Abelha chegou e expulsou você... Pena que ela não lhe deu uma boa ferroada!
- Fidelidade!? – riu a borboleta. – Assim que me afastei, vi o senhor Vento beijando você. Depois você deu o maior escândalo com o senhor Zangão e ficou dando trela para todo besourinho que passava por aqui. E ainda vem me falar em fidelidade!

Moral: Não espere fidelidade dos outros se não for fiel também.

Do livro: Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
O galo e a raposa

O galo cacarejava em cima de uma árvore. Vendo-o ali, a raposa tratou de bolar uma estratégia para que ele descesse e fosse o prato principal de seu almoço.
-Você já ficou sabendo da grande novidade, galo? – perguntou a raposa.
-Não. Que novidade é essa?
-Acaba de ser assinada uma proclamação de paz entre todos os bichos da terra, da água e do ar. De hoje em diante, ninguém persegue mais ninguém. No reino animal haverá apenas paz, harmonia e amor.
-Isso parece inacreditável! – comentou o galo.
-Vamos, desça da árvore que eu lhe darei mais detalhes sobre o assunto – disse a raposa.
O galo, que de bobo não tinha nada, desconfiou que tudo não passava de um estratagema da raposa. Então, fingiu estar vendo alguém se aproximando.
-Quem vem lá? Quem vem lá? – perguntou a raposa curiosa.
-Uma matilha de cães de caça – respondeu o galo.
-Bem...nesse caso é melhor eu me apressar – desculpou-se a raposa.
-O que é isso, raposa? Você está com medo? Se a tal proclamação está mesmo em vigor, não há nada a temer. Os cães de caça não vão atacá-la como costumava fazer.
-Talvez eles ainda não saibam da proclamação. Adeusinho!
E lá se foi a raposa, com toda a pressa, em busca de uma outra presa para o seu almoço.
Moral: é preciso ter cuidado com amizades repentinas.
Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
A raposa e o corvo

Um dia um corvo estava pousado no galho de uma árvore com um pedaço de queijo no bico quando passou uma raposa. Vendo o corvo com o queijo, a raposa logo começou a matutar um jeito de se apoderar do queijo. Com esta idéia na cabeça, foi para debaixo da árvore, olhou para cima e disse:
-Que pássaro magnífico avisto nessa árvore! Que beleza estonteante! Que cores maravilhosas! Será que ele tem uma voz suave para combinar com tanta beleza! Se tiver, não há dúvida de que deve ser proclamado rei dos pássaros.
Ouvindo aquilo o corvo ficou que era pura vaidade. Para mostrar à raposa que sabia cantar, abriu o bico e soltou um sonoro "Cróóó!" . O queijo veio abaixo, claro, e a raposa abocanhou ligeiro aquela delícia, dizendo:
-Olhe, meu senhor, estou vendo que voz o senhor tem. O que não tem é inteligência!

Moral:Cu idado com quem muito elogia.

Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
O Cachorro e sua Sombra

Um cachorro com um pedaço de carne roubada na boca estava atravessando um rio a caminho de casa quando viu sua sombra refletida na água.
Pensando que estava vendo outro cachorro com outro pedaço de carne, ele abocanhou o reflexo para se apropriar da outra carne, mas quando abriu a boca deixou cair no rio o pedaço que já era dele.
Moral: a cobiça não leva a nada.
Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
O Macaco e o Golfinho

Quando as pessoas fazem uma viagem, muitas vezes levam seus cachorrinhos ou macaquinhos de estimação para ajudar a passar o tempo. Assim, um homem que voltava do Oriente para Atenas andava pelo navio levando um macaquinho de estimação. Quando estava próximo do litoral da Ática o navio foi atingido por uma grande tempestade e acabou virando. Todas as pessoas que estavam a bordo foram parar na água e começaram a nadar para tentar salvar a vida. O macaco também. Um golfinho viu o macaco e imaginou que fosse um homem; pôs o macaco nas costas e começou a nadar para a praia. Quando os dois iam chegando ao Pireu, que é o porto de Atenas, o golfinho perguntou ao macaco se ele era ateniense. O macaco respondeu que sim, e disse ainda que sua família era muito importante.
-Bom, nesse caso você conhece o Pireu – continuou o golfinho.
O macaco achou que o golfinho estava se referindo a alguma autoridade e respondeu:
-Claro, claro, somos muito amigos.
Ouvindo aquilo, o golfinho viu que estava sendo enganado. Aborrecido, mergulhou para o fundo do mar e em pouco tempo o pobre macaco se afogou.


Moral: certas pessoas, ignorantes da verdade, acham que podem fazer os outros engolir qualquer mentira.


Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
A raposa e as uvas

Morta de fome, uma raposa foi até um vinhedo sabendo que ia encontrar muita uva. A safra tinha sido excelente. Ao ver a parreira carregada de cachos enormes, a raposa lambeu os beiços. Só que sua alegria durou pouco: por mais que tentasse, não conseguia alcançar as uvas. Por fim, cansada de tantos esforços inúteis, resolveu ir embora, dizendo:
- Por mim, quem quiser essas uvas pode levar. Estão verdes, estão azedas, não me servem. Se alguém me desse essas uvas eu não comeria
.


Moral: Desprezar o que não se consegue conquistar é fácil.


Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas
O sapo e o boi

Há muito, muito tempo existiu um boi imponente. Um dia o boi estava dando seu passeio da tarde quando um pobre sapo todo mal vestido olhou para ele e ficou maravilhado. Cheio de inveja daquele boi que parecia o dono do mundo, o sapo chamou os amigos.
– Olhem só o tamanho do sujeito! Até que ele é elegante, mas grande coisa; se eu quisesse também era.
Dizendo isso o sapo começou a estufar a barriga e em pouco tempo já estava com o dobro do seu tamanho normal.
– Já estou grande que nem ele? – perguntou aos outros sapos.
– Não, ainda está longe!- responderam os amigos.
O sapo se estufou mais um pouco e repetiu a pergunta.
– Não – disseram de novo os outros sapos -, e é melhor você parar com isso porque senão vai acabar se machucando.
Mas era tanta vontade do sapo de imitar o boi que ele continuou se estufando, estufando, estufando – até estourar.
Moral: Seja sempre você mesmo.
Do livro Fábulas de Esopo - Companhia das Letrinhas

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...

Mário Quintana
A Reunião Geral dos Ratos é uma fábula atribuída a Esopo e recontada por La Fontaine.

A Reunião Geral dos Ratos

Uma vez os ratos, que viviam com medo de um gato, resolveram fazer uma reunião para encontrar um jeito de acabar com aquele eterno transtorno. Muitos planos foram discutidos e abandonados. No fim, um rato jovem levantou-se e deu a ideia de pendurar uma sineta no pescoço do gato; assim, sempre que o gato chegasse perto eles ouviriam a sineta e poderiam fugir correndo. Todo mundo bateu palmas: o problema estava resolvido. Vendo aquilo, um rato velho que tinha ficado o tempo todo calado levantou-se de seu canto e falou que o plano era muito inteligente, que com toda certeza as preocupações deles tinham chegado ao fim. Só faltava uma coisa: quem iria pendurar a sineta no pescoço do gato?
Moral: Falar é uma coisa, fazer é outra.
(Não basta apenas ter ideias e planejar, mas a execução é fundamental para se atingir os objetivos).
Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhoso espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...

QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.
O palhaço

I

O palhaço é um menino
sorrateiro.
Faz gracejos de fino
o tempo inteiro.

Seja no circo
ou seja diante do espelho
usa máscara: é um mico
pintado de verde e vermelho.


Troca o certo pelo falso,
toca flauta de bisonho
sem ser músico. O palhaço
vive em nuvem de sonho.

II

O circo é redondo
ao redor do palhaço.
É redoma o espaço
àvolta do homem

Circunscrito
ao circo
o palhaço é destro
no errar o passo
Quando dança emperra
no descompasso.

Cara de farinha
gira o pescoço
não mais do que osso
dentro ao colarinho

tenta cambalhotas
ensaia cabriolas
grotescas
pirueta

O homem - que ocupa
o centro do mundo -
não será palhaço
com maior espaço?

LISBOA, Henriqueta. O menino poeta. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991.





Você já chorou lágrimas de crocodilo?

A expressão "lágrimas de crocodilo", que usamos para falar de um choro fingido ou de uma lamentação falsa, tem origem na crença popular de que este animal chora ao devorar suas presas. Na verdade, o crocodilo não chora, mas como os seus olhos são bem lubrificados, dão a impressão de lacrimejar. Isso acontece porque eles engolem as presas com tal força que comprimem a glândula lacrimal.

Essa expressão é usada também em outras línguas:

Em inglês - crocodile tears
Em espanhol - lágrimas de cocodrilo
Em francês - larmes de crocodile
Em italiano - lacrime di coccodrillo


E já dizia o poeta Mário Quintana:

"Pior, mas muito pior mesmo do que as lágrimas de crocodilo, são os sorrisos de crocodilo."
Curiosidade I

O pica-pau pode dar cem bicadas por minuto numa árvore.

Curiosidade II

O beija-flor bate as asas noventa vezes por segundo, quatro vezes mais rápido que uma libélula. Ele voa de frente, de costas e até de ponta-cabeça. Procura néctar em 2 mil flores todos os dias.

Curiosidade III

Quando em perigo, os elefantes formam um círculo em que os mais fortes protegem os mais fracos.
RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES DO POEMA DEPOIS DA HORA DE DORMIR

Escrevendo sobre o texto:

1. Resposta pessoal.
2. Resposta pessoal.
3. Resposta pessoal.
4. Resposta pessoal.
5. Resposta pessoal.
6. "Estou com sono"
7. Ao fim de uma semana, perdeu 28h; ao fim de um mês, 112h; ao fim de um ano, 1.344h.

Pontos de gramática:

1. Árvore. Resposta pessoal.
2. Opções de substantivos: noite, história, cama, mundo, criança, diversão, hora, casa, luzes, pais, gavetas, chocolate, cortina, árvore, marzipã, portas, janelas, anõezinhos, palhaço, cavaleiro, dragão, sono. Opções de verbos: é, tenho, ir, será, dá, ver, sou, vai ver, mandam, dormir, começa, acontece, se enche, vão, tem, aparece, entrar, vai lutar, levanto, vou ver, estou.
2. Possibilidades de resposta: casa inteira, gavetas cheias.
RESPOSTAS ÀS ATIVIDADES DO TEXTO "COMO ARMAR UM PRESÉPIO":


Trocando ideias:

1. Instruções de como fazer ou armar um presépio.
2.
a) Um presépio.
b) Não, pois se assim o fizéssemos, arrasaríamos totalmente com o nosso planeta.
c) Usar a ironia. Fazer uma crítica ao espírito destruídor do homem.
3. A medida da destruição.

Mergulhando no texto:

1. Porque a destruição, a degradação do nosso planeta está acontecendo por toda parte.
2. "Cortar todas as árvores".
3. Não. Ao contrário: serve como alerta para o que estamos fazendo com o nosso planeta.
4.
a) Um boi, um burro, um carneiro, um pastor e uma criança.
b) Porque eles são parte integrante de um presépio.
5. Pessoal.
6. Pessoal.

Pontos de gramática:

1. Todas essas palavras são proparoxítonas.
2. Com exceção de "erguer", todos os verbos que dão início aos versos do poema são da primeira conjugação, ou seja, têm o infinitivo terminado por "ar".
3. boi doente / burro fugido / carneiro sem dono.





Depois da hora de dormir
Pedro Bandeira

Toda noite é a mesma história:
eu tenho de ir pra cama
antes de todo mundo.
Será que não dá pra ver
que já não sou mais criança?
Vai ver me mandam dormir
porque é à noite, na verdade,
que começa a diversão.
O que será que acontece
naquela hora?
Será que a casa inteira
se enche de luzes
e os meus pais
vão abrir gavetas
cheias de chocolate?
Será que detrás da cortina
tem uma árvore
de marzipã
que só aparece de noite?
Será que pelas portas e janelas
vão entrar mil anõezinhos
vestidos de palhaço?
E um cavaleiro enlatado
vai lutar contra um dragão?
Amanhã eu levanto da cama
e vou ver tudo isso.
Agora não.
Estou com muito sono.

BANDEIRA, Pedro. Cavalgando o arco-íris. São Paulo: Moderna, 1989.


Escrevendo sobre o texto:

1. Como o eu-lírico do poema, você também tem um horário para dormir? Por quê?

2. Seus pais o(a) tratam como criança ou você é mais independente? Esclareça sua resposta.

3. Em sua opinião, quais são as vantagens e as desvantagens de ser criança e de ser adolescente?


a) Vantagens:
b) Desvantagens:

4. Você gostaria já de ser adulto(a)? Em que isso mudaria a sua vida?

5. Você é tão imaginativo(a) como o garoto do texto? O que você acha que acontece de especial, “depois da hora de dormir”?

6. Mesmo reclamando do horário imposto pelos pais, o eu-lírico demonstra que já estava realmente na hora de ele dormir. Identifique o verso que comprova essa afirmação.

7. Considerando que oito horas por dia é o tempo ideal de sono. Uma pessoa que dorme apenas quatro horas por dia; no fim de uma semana, já perdeu quantas horas de sono? E no fim de um mês? E no fim de um ano?


Pontos de gramática:

1. As palavras da nossa língua podem ter a sílaba tônica (Aquela pronunciada com mais intensidade) na última sílaba (será), na penúltima sílaba (história) ou na antepenúltima sílaba (mágica).
Circule no poema a única palavra cuja sílaba tônica é a antepenúltima. Crie, em seguida, uma frase com essa palavra, falando sobre o Natal.

2. Retire do poema três substantivos e três verbos. Em seguida, construa três frases com essas palavras.

3. Identifique no texto um substantivo que venha acompanhado de um adjetivo. Escreva-os abaixo.


Como armar um presépio

José Paulo Paes

pegar uma paisagem qualquer
cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa

eventualmente conter e fabricar carros tanques aviões
mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados
com destaque
despejar os detritos industriais nos rios e lagos
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de vegetação
evacuar a população sobrevivente para as fábricas e

cortiços da cidade
depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de

chapas enferrujadas e esperar
esperar que algum boi doente algum burro fugido

algum carneiro sem dono venha nele esconder-se
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho

pastor que ainda acredite no milagre
esperar esperar
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida recomeça?

PAES, José Paulo. Um por todos. São Paulo: Brasiliense, 1986. PP. 41-2.




Paulista de Taquaritinga (1926 -1998), José Paulo Paes formou-se em química industrial em Curitiba e veio a se tornar um dos maiores poetas, tradutores e ensaístas do País. Com extrema ironia, avassalador senso de humor e um senso crítico ímpar, este poema, de Calendário perplexo (1983), vê o Natal por um ângulo dessacralizado.

Trocando ideias:

1. Pelo título, que informações você esperava encontrar no texto?

2. O texto nos oferece intruções sobre o que realizar para se obter algo.

a) Caso seguíssemos essas instruções, o que obteríamos?
b) Espera-se que sigamos suas instruções?
c) Qual seria então a intenção ao escrevê-las?

3. Em um dos versos, o poeta dispara: "Depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem".Qual é a "medida do homem"?

Mergulhando no texto:

1. Em sua opinião, por que não se especificou a paisagem, referindo-se a ela como uma "paisagem qualquer"?

2. De todas as ações citadas no texto, há alguma que você percebe que já vem sendo praticada abusivamente no Brasil?

3. Todas as ações, em menor ou maior grau, ocorrem em nosso planeta. Você acha que as instruções dadas seriam para acelerar este processo? Justifique.

4. Depois de a paisagem ser reduzida "à medida do homem", segundo o texto:

a) Deve-se aguardar que seres no estábulo?

b) Há alguma razão para a escolha desses seres e não se outros?

5. Por que se fala tanto em preservação ambiental nos dias de hoje?

6. Para evitar que cheguemos à situação descrita no poema, que ações você já desenvolve?

Pontos de gramática:

1. O que justifica a acentuação das palavras árvores, próximo, últimos, fábricas e estábulos presentes no poema?

2. A que conjugação pertence a maioria dos verbos no infinitivo que dão início aos versos?

3. Retorne ao texto e verifique os seres que são aguardados no estábulo. Nesse contexto, encontre três substantivos acompanhados de seus respectivos adjetivos ou locuções adjetivas.


Para obter as respostas, vá ao índice e clique em respostas aos exercícios.