segunda-feira, 14 de setembro de 2009

sábado, 12 de setembro de 2009

cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim

Torquato Neto

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Leia o trecho de uma reportagem sobre o naufrágio do Titanic, um luxuoso transatlântico considerado “inafundável”.



No dia 10 de abril de 1912, o Titanic partiu de Southampton, Inglaterra, para duas paradas antes de cruzar o Atlântico em direção a Nova York. (...]


Durante a viagem, avisos foram enviados por barcos menores ao Titanic, avisando da presença de
icebergs na rota. Inexplicavelmente, nenhuma das mensagens chegou à ponte de comando. Às 23h40 do dia 14 de abril de 1912, uma noite fria, o céu limpo e sem lua, dois vigias avistaram um vulto enorme à frente: um iceberg. Imediatamente, os motores foram revertidos, mas já era tarde. Abaixo da linha-d’água, o iceberg colidiu com o casco, estourando rebites e abrindo fissuras por uma extensão de 91 metros ao longo do casco. Imediatamente, os compartimentos de segurança foram fechados, mas o limite para a navegabilidade era de quatro divisões. Cinco compartimentos foram inundados, forçando a proa do navio para baixo.

A evacuação do navio começou uma hora após o impacto, mas havia apenas 20 botes salva-vidas, suficientes para 1.178 pessoas. [...]

Enquanto a água ia preenchendo a proa através do rasgo, no convés tudo parecia tranquilo. Ninguém se mostrava disposto a entrar nos pequenos botes em uma noite tão gelada como aquela. Não parecia perigo iminente. Por essa razão, muitos botes com capacidade para 40 pessoas desceram com menos de 1/4 da capacidade. Isso faria falta nos minutos seguintes.

Somente quando a proa começou a afundar, os botes começaram a ser procurados. Às 2h05, a proa já havia afundado, e a água do mar já cobria o convés. Do convés, a água transbordou pelos anteparos, enchendo o resto do interior do navio. Cinco minutos depois, a popa se levantou da linha d'água, deixando as hélices de propulsão à mostra. Uma das chaminés não aguentou a força da gravidade e quebrou, caindo sobre a ponte e matando pessoas na água. Quem ainda estava a bordo tentava escalar o convés em direção à popa. A inversão de gravidade foi demais para a estrutura do Titanic, que rachou ao meio entre a terceira e a quarta chaminé. A proa afundou completamente, e a popa seguiu para o fundo às 2h20.

Os pedidos de socorro do Titanic foram atendidos, mas os navios mais próximos demoraram a chegar. Os felizardos que conseguiram se salvar com os botes remaram para longe da tragédia. O medo de que fossem atacados por sobreviventes desesperados fez com que apenas dois deles voltassem para procurar mais passageiros perdidos no mar escuro e frio. A água gelada matou a maioria por hipotermia, num total de 1.517 mortes e apenas 706 sobreviventes.


Revista Conhecer Fantástico. Ano 3. São Paulo, Arte Antiga.
O texto que você vai ler é o relato vivo e emocionante de um dos episódios vividos por Vito e Renato,em sua viagem de caiaque descendo o rio Xingu, então pouco explorado. Vito conta os momentos de grande tensão que ele e seu companheiro viveram, ao mesmo tempo em que nos revela as peculiaridades de uma região pouco conhecida da maioria dos brasileiros.


Pela veias da selva



Após o jantar só nos restava dormir. Já era noite e o fogo ardia quando nos acomodamos nas redes. Acertei o relógio para que despertasse dali a uma hora – era preciso averiguar a fogueira. Apesar das estrelas, o tempo parecia ameaçar chuva. Adormeci pensando na importância de ter chegado até aqui. Tranquilo sentia meu caminho vivo.


A história de nossa primeira noite no rio poderia ter acabado aí. Mas estava apenas começando.

Despertei às nove e quarenta e dois, antes do relógio. Através da rede, não vi a claridade avermelhada do fogo. A fogueira já era. Me preparei para sair e reacendê-la. Enquanto abria o zíper da rede, observei pela malha do mosquiteiro a lua branca e brilhante. Tudo é silêncio, magia e mistério. Foi com os olhos grudados no brilho da lua que coloquei meio corpo para fora. Lentamente baixei o olhar pela silhueta negra da floresta perdida no horizonte e que, aos poucos, fundia seus reflexos nas águas prateadas do rio iluminado. Eu flutuava nesse universo de imagens num estado de semi-sono quando fui brutalmente arremessado à realidade. A visão é assustadora. A dois metros de onde estou, a mansidão das águas nas margens da ilhota foi trocada pelo brilho frio e vermelho de dezenas de pares de olhos. Uma cordilheira de sombras negras recortadas no clarão da noite. São jacarés. Essa imagem causa sensações inéditas e indescritíveis. Não sei dizer se o que sinto é medo ou a grande emoção de sentir que o risco é a mais clara manifestação da força da vida.

Jacarés... Imediatamente se acende em minha memória a imagem dos índios e seu “hino” profético: “Jacaré vai comê caraíba... Jacaré vai comê caraíba...” As palavras dançam pela minha cabeça em ritmo acelerado, acompanhando as batidas do meu coração. Desde o primeiro momento a prudência me fez acreditar nas palavras dos índios; mas eu não esperava que isso acontecesse tão cedo.

A tensão é forte. Por segundos fico completamente estático, apenas observando nossas visitas, ou melhor, nossos anfitriões, pois ali no meio da Amazônia os hóspedes somos nós. É preciso fazer alguma coisa, e rápido. Sem desviar o olhar daquele mundo de olhos um só minuto, fui tateando a rede às minhas costas até alcançar a lanterna e o revólver. Feito isso, passei a chamar Renato. Preocupado em não ser o centro das atenções — se já não o era —, minha voz mais parecia um sussurro. Diante da indiferença de meu companheiro, envolvido em sono pesado, inconscientemente ergui a voz. Imediatamente houve uma leve movimentação na água, o que àquela altura tinha o efeito de um terremoto. Ouvi a voz embargada de Renato. Controlando minha ansiedade, disse:

– Abra sua rede devagar e olhe para fora...

Eu não podia vê-lo, mas a tensão me fez acompanhar seus movimentos pelos ruídos. Quando o zíper da rede cessou seu trajeto, fez-se um tempo de silêncio até que ouvi sua voz assustada:

– Meu chapa!...

Pelo timbre, imaginava sua expressão de espanto. Renato também buscou sua arma e, lentamente, saímos juntos da rede. Nos encontramos de costas e chegamos a um consenso. O primeiro passo seria afugentar os animais. Depois, acender o fogo. Atirei para o alto. O estrondo seco foi seguido por incontáveis mergulhos e rabadas na água, por toda a nossa volta. Temporariamente estávamos mais uma vez a sós.

A lenha que tínhamos não daria para toda a noite. Munidos de lanternas, facão e muita atenção passamos a recolher o que restava de madeira seca em nosso claustro insular. Começava aí uma longa e tenebrosa jornada noturna. Nos revezaríamos a cada duas horas em vigília. Os minutos escoavam lentamente e a situação me fazia recordar o ano em que estive no Exército. As horas que passei de sentinela foram incontáveis e serviram para me fazer descobrir a importância da solidão e a força da reflexão, viagens que empreendemos através de nosso pensamento.

A pouca lenha nos obriga a administrar muito bem cada graveto. O silêncio é brutal e qualquer ruído leva a um estado de alerta. Um leve som vem do casco de nossos barcos. A imaginação me faz crer que são filhotinhos de jacaré. O sono tenta me vencer, mas a tensão é muito mais forte. Ilumino com a lanterna os barrancos próximos. Centenas de olhos me miram atentos. Talvez estejam apenas esperando eu dormir para atacar. Foram horas intermináveis de tensão. Quando o último graveto foi absorvido pelas chamas, as primeiras luzes começam a raiar. Traziam com elas a mansidão e a segurança da manhã, o que nos garantiu algumas horas de sono tranquilo.

Começamos o segundo dia com a lentidão de uma noite maldormida. Depois do café da manhã, arrumamos nossas coisas nos caiaques e nos preparamos para sair. Consultando os mapas, descobrimos que a pequena ilha em que estávamos tem o nome de ilha do Natal, o que não tornava nossa manhã mais festiva. Ironicamente, Renato comentou:

– Ilha do Natal!... Por pouco não viramos ceia...

Barcos na água, iniciamos mais uma jornada.

Vito D’Alessio. Pelas veias da selva. São Paulo, FTD, 1992. Coleção Diário de bordo.

...E a onda levou

Era uma manhã de céu aberto e mar calmo, em Vitória, Espírito Santo. Até que uma onda vinda do nada engoliu o veleiro Conquista e levou para o fundo do mar os planos de um casal catarinense. Mas nem tudo estava perdido...

Por Juliana Borges

A primeira noite maldormida após um mês de sono tranquilo em Vitória (ES) poderia ser interpretada como um mau agouro. A previsão para aquele dia, 14 de agosto de 2004, era de mar agitado, como um aviso dos céus para não partir. Mas o vento sul que soprava havia dias no iate clube onde o Conquista, um veleiro O’Day 23, estava ancorado era convidativo demais para os catarinenses Juliano Treis e Denise de Almeida pensarem em maus presságios. Afinal, conhecer o arquipélago de Abrolhos sempre fora um sonho.

A passagem do Cruzeiro Costa Leste, uma flotilha com cerca de 40 veleiros que havia saído do Rio de Janeiro e passaria por Abrolhos, deixou o casal ainda mais animado. Eles seguiram juntos. O dia começou cedo. Antes das 7 horas, Juliano e Denise já haviam colocado a genoa no estai de proa, organizado as últimas coisas e zarpado para viagem que eles nem de longe imaginavam ser a última do veleiro que lhes servia de lar havia três anos, O céu estava claro e o vento, moderado, em tomo de dez nós (18 km/h). Pela previsão, o mar deveria ficar apenas agitado ao longo do dia.

Denise sentia-se angustiada com as ondas que quebravam na enseada e balançaram o Conquista a noite inteira, mas achou melhor guardar suas neuras. A prática da vida a bordo lhe dizia que tudo estava nos conformes. Mesmo tendo pouca experiência no mar – antes de juntar suas economias e o dinheiro da venda do carro para comprar o O’Day 23 em sociedade com o namorado, ela nunca pisara num convés –, Denise conhecia bem o veleiro. Se tudo corresse bem, em menos de 38 horas eles estariam em Abrolhos.
O
arquipélago seria uma inspiração para ela e Juliano tocarem o Projeto Água Viva, iniciado um ano antes, quando zarparam de Santa Catarina para percorrer a costa brasileira, alertando as comunidades sobre a importância de preservar os recursos hídricos. A ideia era dar palestras e promover debates sobre o tema em escolas, clubes e praias. O destino final era Manaus. Mas os dois não podiam imaginar que o
Conquista os abandonaria no meio do caminho...


O caprichado café-da-manhã a bordo ajudou Denise a relaxar. O mar tinha ondas que não chegavam a incomodar. Velejando com vento de través e pegando as ondulações na diagonal, o Conquista
contornou a ilha Rasa e rumou para a ponta do Tubarão. Sem problema. O veleiro navegava havia uns 15 minutos, a cerca de uma milha de costa (2km), quando uma visão nada agradável surgiu aos olhos de Juliano: uma onda grande e solitária, de 4 ou 5 metros de altura e muita espuma, bem perto do veleiro, Juliano, no timão, pôs o Conquista de proa para a onda e mal teve tempo de gritar.

– Dê, uma onda! Feche a gaiúta!


Mas não havia tempo para mais nada. A onda estourou sobre o convés e lançou Denise para dentro da cabine, que também ficou inundada. Numa fração de segundo, a proa do barco foi jogada para trás e o Conquista capotou duas vezes com a força da onda. Quando o barco parou de girar, Julíano colocou a cabeça para fora d’água e percebeu que estava sob o Conquista, que, por sua vez, estava de cabeça para baixo. Gritou, desesperado, o nome da companheira. Precisava encontrá-la.

Denise, que estava semi-submersa na cabine, ouviu o chamado de Juliano, esticou os braços e encontrou a mão dele. Subitamente o Conquista desvirou e, quando se deram conta, os dois já estavam de pé, em cima do convés inundado. Por um instante, pensaram que tudo não havia passado de um grande susto e que o Conquista poderia continuar ileso, apesar de encharcado.

Mas logo eles viram que o mastro, que se quebrara, padecia deitado na água. Em seguida, constataram o pior: a popa do barco estava afundando rapidamente. Desorientados, os dois correram para a proa, que também começou a ir ao fundo, poucos segundos depois. Em uma tentativa desesperada de manter o Conquista na superficie, os dois se abaixaram e se agarraram firmemente ao guarda-mancebo, como se aquele ato pudesse retardar sua partida para o fundo do mar. Mas o barco afundou, indiferente aos apelos de seus donos.


Depois de alguns segundos beirando a insanidade, os dois começaram a nadar em direção a terra mais próxima, a ilha Rasa, bem em frente ao iate clube. Não tardou para eles avistarem outros veleiros, zarpando do clube. Porém nenhum barco ouviu os chamados. Só quando já estavam próximos da ilha uma lancha resgatou os náufragos.


Denise vestia uma camiseta, blusa de lã, jardineira impermeável e um par de sapatilhas de neoprene. Juliano, apenas a jardineira e uma malha. Foi tudo o que puderam salvar. Todo o resto afundou com o Conquista.


No mesmo dia, depois de um banho quente na casa de um amigo, o casal voltou para o iate clube para tentar resgatar o barco com a ajuda dos bombeiros. Mas, como o mar estava agitado, tiveram de suspender as buscas. Na manhã seguinte, vasculhando a praia de Camburi, encontraram por toda a orla destroços do barco, utensílios de cozinha e objetos pessoais espalhados pela praia. Foi triste ver pedaços dos sonhos dos dois sendo trazidos pela maré, como se fossem lixo.

Os dias seguintes ao acidente tiveram tempo ruim, o que inviabilizou a busca pelo casco do barco. Quando, enfim, o mar acalmou, o casal retomou o trabalho. Seria possível o Conquista estar ainda intacto debaixo d’água?


Um veleiro do Iate clube de Vitória confirmou que não, ao passar perto do local do naufrágio, no dia 29 de agosto, quinze dias depois do acidente. A tripulação viu uma bóia, que parecia presa ao fundo. Uma equipe de mergulhadores constatou que ali estavam as ferragens e o convés do Conquista. O casco e o motor nunca foram encontrados.


Hoje, passados alguns meses do acidente, Juliano admite que cometeu dois erros. Primeiro, não conhecia as peculiaridades do local: a baía do Espírito Santo tem um lajeado que praticamente atravessa o fundo de um lado ao outro, elevando seu relevo de menos de 10 m para até 3,5 m na maré baixa. Com ondas vindas do sul, esse cordão de pedras provoca arrebentações na maré baixa. E foi justamente o que aconteceu no dia do naufrágio do Conquista.

O segundo erro foi o excesso de confiança, que os levou a velejar com a gaiúta principal aberta. “Como o vento não soprava forte e o céu estava claro, relaxei na segurança”, lamenta Juliano. “Se o barco estivesse todo fechado, teríamos capotado, perdido o mastro, mas o Conquista não teria afundado.”


Mesmo com essa importante perda, Juliano e Denise não desistiram do Projeto Água
Viva, agora rebatizado Projeto Reconquista, uma homenagem ao veleiro perdido.


Agora, eles estão procurando um barco menor para seguir viagem. “Desta história, uma coisa boa podemos tirar: fizemos grandes amigos pelo Brasil. Não vamos desistir só por causa do que aconteceu”, garante Denise.


Revista Náutica, nº 195. Sáo Paulo, Grupo Um Editora, 2004.