quarta-feira, 30 de março de 2011

VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

Cada pessoa traz em si uma série de características que se traduzem no seu modo de se expressar: a região onde nasceu, o meio social em que foi criada e/ou em que vive, a profissão que exerce, a sua faixa etária, o seu nível de escolaridade.

Os exemplos a seguir ilustram esses diferentes tipos de variação.

  • a região onde nasceu (variação regional) - aipim, mandioca, macaxeira (para designar a mesma raiz); tu e você (alternância do pronome de tratamento e da forma verbal que o acompanha); vogais pretônicas abertas em algumas regiões do Nordeste; o s chiado carioca e o r porta entre os paulistas do interior...
  • o meio social em que foi criada e/ou em que vive; o nível de escolaridade (no caso brasileiro, essas variações estão normalmente inter-relacionadas (variação social) : substituição do l por r (crube, pranta, prástico); eliminação do d no gerúndio (correndo/correno;
  • a profissão que exerce: linguagem médica (ter um infarto / fazer um infarto); jargão policial ( elemento / pessoa; viatura / camburão);
  • a faixa etária: irado, sinistro (termos usados pelos jovens para elogiar, com conotação positiva, e pelos mais velhos, com conotação negativa).

VARIAÇÃO REGIONAL

Nesta dimensão, incluem-se as diferenças lingüísticas observadas entre pessoas de regiões distintas, onde se fala a mesma língua. Exemplos claros desta variação são as diferenças encontradas entre os diversos países de língua portuguesa (Brasil, Portugal, Angola, por exemplo) ou entre regiões do Brasil (região sul, com os falares gaúcho, catarinense, por exemplo, e região nordeste, com os falares baiano, pernambucano, etc.).

Nesse tipo de variação, as diferenças mais comuns são as que encontramos no plano fonético (pronúncia, entonação) e no plano lexical (uso de palavras distintas para designar o mesmo referente, palavras com sentidos que variam de uma região para outra).


VARIAÇÃO SOCIAL / PROFISSIONAL

Sob esse ponto de vista, os dialetos correspondem às variações que existem em função da classe social a que pertencem os indivíduos. Incluem-se neste tipo de variedade lingüística os jargões profissionais (linguagem dos advogados, dos locutores de futebol, dos policiais, etc.) e as gírias, que identificam muitos grupos sociais. Na sociedade, os dialetos sociais podem ter um papel de identificação, pois é através deles que os diferentes grupos se reconhecem e até mesmo se protegem em relação aos demais.


VARIAÇÃO DE CARÁTER ETÁRIO

Essas diferenças correspondem ao uso da língua por pessoas de diferentes faixas etárias, fazendo com que, por exemplo, uma criança apresente uma linguagem diferente da de um jovem, ou de um adulto. Ao longo da vida, as pessoas vão alternando diferentes modos de falar conforme passam de uma faixa etária a outra.

VARIAÇÃO SITUACIONAL

O segundo tipo de variedade que as línguas podem apresentar diz respeito ao uso que se faz da língua em função da situação em que o usuário e o interlocutor estão envolvidos.

Para se fazer entender, qualquer pessoa precisa estar em sintonia com o seu interlocutor e isto é facilmente observável na maneira como nos dirigimos, por exemplo, a uma criança, a um colega de trabalho, a uma autoridade. Escolhemos palavras, modos de dizer, para cada uma dessas situações. Tentar adaptar a própria linguagem à do interlocutor já é realizar um ato de comunicação. Pode-se dizer que o nível da linguagem deve se adaptar à situação.

GRAU DE FORMALISMO

No seu dia-a-dia, o usuário da língua entra em contacto com diferentes interlocutores e em diferentes situações sociais. Para garantir maior eficácia nessa interação, precisa estar atento ao grau de formalismo de sua linguagem. O grau de formalismo se manifesta em diferentes níveis de construção do enunciado.


Leia os dois textos abaixo (A Iara e O rei Midas). Um deles será o texto da avaliação global. Boa leitura!

A IARA

— Vamos à cachoeira onde mora a Iara — disse. — Essa rainha das águas costuma aparecer sobre as pedras nas noites de lua. É muito possível que possamos surpreendê-la a pentear seus lindos cabelos verdes com o pente de ouro que usa.
— Dizem que é criatura muito perigosa — murmurou Pedrinho.
— Perigosíssima — declarou o Saci. — Todo cuidado é pouco. A beleza da Iara dói tanto na vista dos homens que os cega e os puxa para o fundo d’água. A Iara tem a mesma beleza venenosa das sereias. Você vai fazer tudo direitinho como eu mandar. Do contrário, era uma vez o neto de Dona Benta!...
Pedrinho prometeu obedecer cegamente.
Andaram, andaram, andaram. Por fim, chegaram a uma grande cachoeira cujo ruído já vinham ouvindo de longe.
— É ali — disse o perneta, apontando. — É ali que ela costuma vir pentear-se ao luar. Mas você não pode vê-la. Tem de ficar bem quietinho, escondido aqui atrás desta pedra e sem licença de pôr os olhos na Iara. Se não fizer assim, há de arrepender-se amargamente. O menos que poderá acontecer é ficar cego.
Pedrinho prometeu, e de medo de não cumprir o prometido foi logo tapando os olhos com as mãos.
O Saci partiu, saltando de pedra em pedra, para logo desaparecer por entre as moitas de samambaias e begônias silvestres.
Vendo-se só, Pedrinho arrependeu-se de haver prometido conservar-se de olhos fechados. Já tinha visto o Lobisomem, o Caipora, o Curupira, a Cuca. Por que não havia de ver a Iara também? O que diziam do poder fatal de seus encantos certamente que era exagero. Além disso, poderia usar um recurso: espiar com um olho só. O gosto de contar a toda gente que tinha visto a famosa Iara valia bem um olho.
Assim pensando, e não podendo por mais tempo resistir à tentação, fez como o Saci: foi pulando de pedra em pedra, seguindo o mesmo caminho por ele seguido.
Súbito, estacou, como fulminado pelo raio. Ao galgar uma pedra mais alta do que as outras, viu, a cinqüenta metros de distância, uma ninfa de deslumbrante beleza, em repouso numa pedra verde de limo, a pentear-se com um pente de ouro os longos cabelos verdes cor do mar. Mirava-se no espelho das águas, que naquele ponto formavam uma bacia de superfície parada. Em torno dela centenas de vaga-lumes descreviam círculos no ar; eram a coroa viva da rainha das águas. Jóia bela assim, pensou Pedrinho, nenhuma rainha da terra jamais possuiu. A tonteira que a vista da Iara causa nos mortais tomou conta dele. Esqueceu até do seu plano de olhar com um olho só. Olhava com os dois arregaladíssimos, e cem olhos que tivesse, com todos os cem olharia.
Enquanto isso, ia o Saci se aproximando da mãe-d’água, cautelosamente, com infinitos de astúcia para que ela nada percebesse. Quando chegou a poucos metros de distância, deu um pulo de gato e nhoque! furtou-lhe um fio de cabelo.
O susto da Iara foi grande. Desferiu um grito e precipitou-se nas águas, desaparecendo.

(Monteiro Lobato. Viagem ao céu e O Saci. São Paulo: Brasiliense, 1950. p. 266-8, in Português: Linguagens — William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães)

Nas narrativas de várias partes do mundo, sempre nos deparamos com histórias interessantes. Nesta você vai conhecer o rei Midas, que governava uma terra chamada Frígia, na Grécia Antiga.

O REI MIDAS

Era uma vez um rei chamado Midas. Ele morava num lindo palácio e, embora fosse muito rico, nunca estava contente com o que tinha.

Um dia, os empregados do palácio encontraram um menino escondido no jardim e avisaram ao rei. O menino explicou a Midas que era amigo de Baco, o deus das Uvas e do Vinho. Como Baco era conhecido por possuir poderes mágicos, Midas mandou soltar o menino, na esperança de ser recompensado.

O poderoso Baco ficou tão contente com a volta do menino que fez uma grande festa para Midas, com muito vinho e música. Baco disse ao rei que ele poderia pedir qualquer coisa que quisesse e Midas, mais do que depressa, pediu para ter o poder de transformar em ouro tudo o que tocasse. Baco achou o pedido estranho, mas, mesmo assim, realizou o desejo do rei.

De volta ao palácio, feliz da vida e curioso, Midas quis testar seus poderes. Tocou uma mesa e, no mesmo instante, ela virou ouro maciço. Midas ficou maravilhado. Então tocou um copo, que rapidamente se transformou em ouro. O rei ficou tão animado que saiu tocando tudo o que aparecia em sua frente. Cortinas, ouro. Plantas, ouro. O mesmo aconteceu com sua espada e outros objetos da sala. Pouco depois, quase todo o palácio tinha virado ouro puro.

Quando anoiteceu, Midas estava cansado de fazer as coisas virarem ouro e com fome. O rei pediu então para os empregados servirem o banquete. Só que, quando o rei tocou um pedaço de frango suculento, adivinhe o que aconteceu? Virou ouro! Frutas, queijos, pão, água, tudo o que Midas tocava se transformava em ouro. O que aconteceria quando abraçasse seus filhos ou beijasse sua esposa? Assustado e morrendo de fome, Midas foi correndo pedir a Baco que retirasse seu poder.

Baco e seus amigos, que continuavam festejando, deram boas gargalhadas da ambição de Midas. Mas Baco acabou tendo pena do rei e decidiu tirar o encantamento, ordenando-lhe que tomasse banho nas águas mágicas de um rio. Quando saiu da água, o rei tocou em uma pedra. E sabe o que aconteceu? A pedra continuou pedra. Foi um alívio.

Dizem que, até hoje, as águas do rio onde o rei ambicioso se banhou estão cheias de pepitas de ouro.

(Texto criado a partir de várias versões da lenda de Midas.)

domingo, 13 de março de 2011

Sobre o novo acordo ortográfico...



















O homem que queria eliminar a memória

Entrou no hospital, mandou chamar o melhor neurocirurgião. Disse que era caso de vida e morte. Não se sabe como, o melhor neurocirurgião foi atendê-lo. Médicos são imprevisíveis. Precisa-se muito e eles falham; subitamente, estão ali, salvando nossas vidas, ele pensou, sem se incomodar com o lugar-comum.

Estava na sala diante do doutor. Uma sala branca, anônima. Por que são sempre assim, derrotando a gente logo de entrada?

O médico:

– Sim?

– Quero me operar. Quero que o senhor tire um pedaço do meu cérebro.

– Um pedaço do cérebro? Por que vou tirar um pedaço do seu cérebro?

– Porque eu quero.

– Sim, mas precisa me explicar. Justificar.

– Não basta eu querer?

– Claro que não.

– Não sou dono do meu corpo?

– Em termos.

– Como em termos?

– Bem, o senhor é e não é. Há certas coisas que o senhor está impedido de fazer. Ou melhor; eu é que estou impedido de fazer no senhor.

– Quem impede?

– A ética, a lei.

– A sua ética manda também no meu corpo? Se pago, se quero, é porque quero fazer do meu corpo aquilo que desejo. E se acabou.

– Olha, a gente vai ficar o dia inteiro nesta discussão boba. E não tenho tempo a perder. Por que o senhor quer cortar um pedaço do cérebro?

– Quero eliminar a minha memória.

– Para quê?

– Gozado, as pessoas só sabem perguntar: o quê? por quê? para quê? Falei com dezenas de pessoas e todos me perguntaram: por quê? Não podem aceitar pura e simplesmente alguém que deseja eliminar a memória.

– Já que o senhor veio a mim para fazer esta operação, tenho ao menos o direito dessa informação.

– Não quero mais lembrar de nada. Só isso. As coisas passaram, passaram. Fim!

– Não é tão simples assim. Na vida diária, o senhor precisa da memória. Para lembrar pequenas coisas. Ou grandes. Compromissos, encontros, coisas a pagar.

– É tudo isso que vou eliminar. Marco numa agenda, olho ali e pronto.

– Não dá para fazer isso, de qualquer modo. A medicina não está tão adiantada assim.

– Em lugar nenhum posso eliminar a minha memória?

– Que eu saiba não.

– Seria muito melhor para os homens. O dia a dia. O dia de hoje para a frente. Entende o que eu quero dizer? Nenhuma lembrança ruim ou boa, nenhuma neurose. O passado fechado, encerrado. Definitivamente bloqueado. Não seria engraçado? Não se lembrar sequer do que se tomou no café da manhã? E para que quero me lembrar do que tomei no café da manhã?

– Se todo mundo fizesse isso, acabaria a história.

– E quem quer saber de história?

– Imaginou o mundo?

– Feliz, tranquilo. Só de futuro. O dia em vez de se transformar em passado de hoje, mudando-se em futuro. Cada instante projetado para a frente.

– Não seria bem assim. Teríamos apenas uma soma de instantes perdidos. Nada mais. Cada segundo eliminado. A sua existência comprovada através de quê?

– Quem quer comprovar a existência?

– A gente precisa.

– Para quê?

O médico pensou. Não conseguiu responder. O homem tinha-o deixado totalmente confuso. Pediu ao homem que voltasse outro dia. Despediram-se. O médico subiu para os brancos corredores do hospital, passou pela sala de operações. Chamou um amigo.

– Estou pensando em tirar um pedaço do meu cérbro. Eliminar a memória. O que você acha?

– Muito boa idéia. Por que não pensamos nisto antes? Opero você e depois você me opera. Também quero.


Ignácio de Loyola Brandão. Para gostar de ler. Volume 8. Contos. São Paulo: Ática, 1983, pp.14,15 e 16.