sábado, 18 de dezembro de 2010

O menino e o arco-íris


Era uma vez um menino curioso e entediado. Começou assustando-se com as cadeiras, as mesas e os demais objetos domésticos. Apalpava-os, mordia-os e jogava-os no chão: esperava certamente uma resposta que os objetos não lhe davam. Descobriu alguns objetos mais interessantes que os sapatos: os copos – estes, quando atirados ao chão, quebravam-se. Já era alguma coisa, pelo menos não permaneciam os mesmos depois da ação. Mas logo o menino (que era profundamente entediado) cansou-se dos copos: no fim de tudo era vidro e só vidro.

Mais tarde pôde passar para o quintal e descobriu as galinhas e as plantas. Já eram mais interessantes, sobretudo as galinhas, que falavam uma língua incompreensível e bicavam a terra. Conheceu o peru, a galinha-d´Angola e o pavão. Mas logo se acostumou a todos eles, e continuou entediado como sempre.

Não pensava, não indagava com palavras, mas explorava sem cessar a realidade. Quando pôde sair à rua, teve novas esperanças: um dia escapou e percorreu o maior espaço possível, ruas, praças, largos onde meninos jogavam futebol, viu igrejas, automóveis e um trator que modificava um terreno. Perdeu-se. Fugiu outra vez para ver o trator trabalhando. Mas eis que o trabalho do trator deu na banalidade: canteiros para flores convencionais, um coreto etc. E o menino cansou-se da rua, voltou para o seu quintal.

O tédio levou o menino aos jogos de azar, aos banhos de mar e às viagens para a outra margem do rio. A margem de lá era igual à de cá. O menino cresceu e, no amor como no cinema, não encontrou o que procurava. Um dia, passando por um córrego, viu que as águas eram coloridas. Desceu pela margem, examinou: eram coloridas!

Desde então, todos os dias dava um jeito de ir ver as cores do córrego. Mas quando alguém lhe disse que o colorido das águas provinha de uma lavanderia próxima, começou a gritar que não, que as águas vinham do arco-íris. Foi recolhido ao manicômio. E daí?

(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2001. p. 5)