Indivisíveis
O meu primeiro amor e eu sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro nem havia ainda separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal – ou celestial – inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto, tão perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre uma tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava, caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando uma coisa assim por toda a sua vida...
In Nariz de Vidro
Poeminha do contra
Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho
Eles passarão, eu passarinho.
In Caderno H
O mapa
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(É nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Desde já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso...
In Apontamentos de história sobrenatural
Confessional
Eu fui um menino por trás de uma vidraça
– um menino de aquário.
Via o mundo passar como numa tela
cinematográfica, mas que repetia sempre as
mesmas cenas, as mesmas personagens.
Tudo tão chato que o desenrolar da rua
Acabava me parecendo apenas em preto e
branco,como nos filmes daquele tempo.
O colorido todo se refugiava,então,nas
ilustrações dos meus livros de histórias,com
seus reis hieráticos e belos como os das cartas de jogar.
E suas filhas nas torres altas – inacessíveis
princesas.Com seus cavalos – uns
verdadeiros príncipes na elegância e na riqueza dos jaezes.
Seus bravos pagens (eu queria ser um deles...)
Porém,sobrevivi...
E aqui ,do lado de fora ,neste mundo em que
vivo,como tudo é diferente! Tudo,ó menino
do aquário,é muito diferente do teu sonho...
(Só os cavalos conservam a natural nobreza.)
In A vaca e o Hipogrifo
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