Gaspar, eu caio!
1 Noite escura no mato. Estrada de terra sem vivalma. O vento gemendo pelos galhos e as nuvens passando nervosas, querendo chover.
2 Um homem vem vindo lá longe. Devagarinho. Sem lua nem estrela para iluminar a viagem.
3 Vem de sacola pendurada no ombro e, na mão, um pau de matar cobra.
4 Trovoada. Os pingos da chuva principiam a cair. O viajante aperta o passo. Na curva, dá com uma casa abandonada. Cai um raio de despedaçar árvore. A chuva aperta. Na porta da tapera tem uma cruz desenhada. O homem não quer saber de nada. Mete o pé na porta e entra.
5 Dentro, um pouco de tudo. Pedaços de mobília, tigelas, troços e trecos jogados no escuro.
6 O viajante faz fogo.
7 Agachado, tira um pedaço de carne da sacola e bota para assar. Está morto de fome. Deita no chão e solta o corpo, esperando a comida ficar pronta.
8 A chuva vai minguando. 0 mato fica quieto.
9 De repente, o telhado range. De lá de cima, um gemido rabisca o ar:
10 - Gaspar!
11 O homem estremece. Aperta os dentes. A luz do fogo é fraca. Não dá para ver nada.
12 A voz chama e chama.
13 - Gaspar!
14 Já passa da meia-noite. Quem será? A voz insiste:
15 - Gaspar!
16 O viajante pensa em fugir. Mas, e a carne? E o frio? E a chuva ameaçando cair? Encolhido num canto, o homem arrisca:
17 - Quem está aí?
18 A voz, no telhado, continua grossa:
19 - Gaspar!
20 - Quem está aí?
21 - Gaspar!
22 - Quem está aí? - pergunta o homem.
23 A voz então diz:
24 - Gaspar ... Eu caio!
25 - Pois caia! - responde o viajante.
26 Estrondo. Espanto. Uma coisa despenca lá de cima - catapram - e cai no chão.
27 Os olhos do homem crescem de pavor.
28 É um pé. A ossada de um pé. E vem com os dedos mexendo!
29 A voz bóia no ar:
30 - Gaspar!
31 O homem treme.
32 - Eu caio!
33 - Pois caia! - grita o homem de novo.
34 Catapram. Vem outro pé. Cai e vai se arrastando para junto do primeiro.
35 - Gaspar!
36 O viajante respira curto. A cada resposta sua, desabam do forro pernas, coxas, tronco, braços e mãos de um esqueleto que vai se formando no chão.
37 O esqueleto começa a dançar.
38 A luz do fogo desenha sombras estranhas no casebre.
39 - Gaspar! Gaspar! Gaspar!
40 A voz grossa voa cada vez mais alto.
41 - Eu caio!
42 - Pois caia! - berra o viajante, sentindo sua hora chegar.
43 E então - ploct - uma cabeça cai lá do alto. Meio de medo, meio de raiva, o homem chuta a caveira longe.
44 0 corpo descarnado fica zangado. Pára a dança, agacha e, cuidadoso, enfia o crânio no pescoço. Depois, lambuza a carne que assa no fogo com seu cuspe escuro.
45 O sangue do viajante ferve. Estava morto de fome. A carne era tudo o que havia para comer. O homem cata o pau de matar cobra.
46 - Pra mim chega! - De olhos fechados, mergulha sobre o esqueleto dando soco e pancada. 0 morto gargalha. Os dois rolam atracados pelo chão da tapera.
47 A luta vara a noite. O homem bate, chora e sangra. O esqueleto range os dentes.
48 Os dois quebram tudo, apagam o fogo com o corpo e vão parar do lado de fora, rugindo na lama.
49 O tempo passa. Um golpe seco estala no mato. Silêncio.
50 O morto suspira e cai.
51 O viajante continua de pé, vitorioso. Passa o braço machucado sobre o rosto.
52 Do chão, a caveira pede para o homem cavar um buraco no pé de uma árvore.
53 O homem responde:
54 - Nem nunca!
55 Em seguida, vai até a árvore e trepa num galho bem alto.
56 Abatido, o esqueleto pega e cavuca ele mesmo. Tira do buraco fundo um tacho cheio de ouro e prata. Depois, olhando para o homem pendurado na árvore, solta um gemido e some no vento.
57 O viajante fica onde está. Manhã nascendo no mato. Seu peito mexe com força, indo e vindo. Olha as mãos sujas de sangue. Estrada de terra sem vivalma. A roupa rasgada. O suor. O sol avermelhado sopra uma brisa quente entre as folhagens. O homem sente o corpo doído e leve. Olha a tapera. Tem vontade de rir, cantar, conversar com alguém. Salta aliviado do galho, junta as coisas e vai embora.
Ricardo Azevedo. Meu livro de folclore. São Paulo: Ática, 1999, p. 33-38. (Conto da tradição popular)
Estudo do texto:
1. Releitura do 2º parágrafo.
a) Entre os adjetivos a seguir, escolha aquele que melhor caracteriza o personagem neste trecho.
“Um homem vem vindo lá longe. Devagarinho. Sem lua nem estrela para iluminar a viagem.”
assustado - agitado - alegre - medroso - tranqüilo
2. No 4º parágrafo, o cenário se altera: “trovoadas acontecem e a chuva principia a cair”.
Como você caracteriza o personagem nesse parágrafo?
3. O primeiro personagem que aparece no texto é chamado de “homem” (2º parágrafo), “viajante” (4º parágrafo) e, depois, de “Gaspar” (10º parágrafo). O segundo personagem também é identificado de várias maneiras. O primeiro sinal dele ocorreu no 9º parágrafo: “um gemido”.
a) Releia o texto a partir do 12º parágrafo e responda: de que maneiras o 2º personagem é chamado?
b) Por que o 2º personagem não foi identificado como uma caveira desde o início?
4. Quando Gaspar ouve seu nome sendo chamado, ele sente medo e pensa em fugir.
Escreva abaixo dois motivos que o fizeram permanecer na casa abandonada, apesar da voz insistente?
5. No 43º parágrafo, Gaspar reage chutando a caveira quando se vê diante da cabeça que completa o esqueleto. Quais são os dois motivos que o levaram a agir dessa forma?
Aspectos lingüísticos:
1. Leia os textos a seguir e indique se eles utilizam linguagem verbal, linguagem não verbal ou linguagem mista.




ESTACIONAMENTO
2. Como as plantas e os animais, também as pessoas podem se comunicar, dizer o que pensam e o que sentem, sem utilizar palavras. Escreva a seguir seis maneiras diferentes de uma pessoa se expressar sem usar a palavra escrita ou falada.
3. Há mais de dois mil anos, os romanos já diziam que Verba volent, scripta manent (A fala voa, a escrita permanece).
Eles tinham razão? Comente.
4. A seguir, você vai reler trechos do texto Salvos pela “roda” . Nele há oito palavras proparoxítonas, que não estão acentuadas. Encontre-as e as acentue corretamente.
“O aumento do numero de recém-nascidos abandonados tem feito alguns países da Europa reviver uma pratica medieval: a “roda dos enjeitados. O berço é aquecido e equipado com sensores que alertam medicos e enfermeiros sobre a presença da criança. Na noite do ultimo dia 24, o primeiro bebê foi deixado ali. A “roda dos enjeitados” foi criada em Marselha, na França, em 1188. Mas foi apenas na decada seguinte que seu uso se popularizou. No fim do seculo XIX, o Hospital Santo Spirito, proximo ao Vaticano, chegou a receber cerca de 3000 bebês abandonados por ano. Um dos mais famosos usuários da “roda” foi o filosofo Francês Jean-Jacques Rousseau.
5. Todas as palavras presentes na lista abaixo são oxítonas. Porém, apenas algumas possuem acento. Reflita um pouco e ponha adequadamente os acentos que faltam.
porem
tataravo
jilo
alguem
engolir
frances
caju
alem
chuchu
engoli
Andre
umbu
Parana
apos
jacare
voce
podera
mirim
Parati
investigador
6. Das características a seguir, assinale a única que pertence à língua escrita.
( ) Maior repetição de palavras e redundância de idéias.
( ) Predominância de frases curtas e simples.
( ) Tendência à não utilização de marcadores próprios de conversas.
( ) Tendência ao uso de gírias e expressões populares.
Sucesso!
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