segunda-feira, 2 de março de 2009


















Coleção de capas de algumas das diversas edições desse clássico da Literatura





ROBINSON CRUSOE (Daniel Defoe)

Adaptação de Monteiro Lobato para o Ano Internacional da Criança

Tema: Aventura e trabalho.

ROBINSON CRUSOÉ

Aventura de um náufrago perdido numa ilha deserta em 1.719.

Este é o meu nome. Nasci na velha cidade de Iorque, onde há um rio muito largo, cheio de navios que entram e saem. Quando criança, passava a maior parte do tempo a olhar aquele rio de águas tão quietas, caminhando sem pressa para o mar lá longe. Como gostava de ver os navios em movimento, com velas branquinhas empurradas pelas brisas. Isso me fazia sonhar as terras estranhas donde eles vinham e as maravilhosas aventuras acontecidas em alto mar. Eu queria ser marinheiro. Nenhuma vida me parecia melhor que navegando sempre, e lidando com as tempestades. Minha mãe ficou muito triste quando declarei que seria marinheiro, ou não seria nada. A vida de marinheiro é dura: Há muitos perigos no mar, tantas tempestades, terríveis peixes de dentes de serra que me comeriam vivo se eu caísse na água. Não ouvi os seus conselhos, Quando fiz 18 anos, fugi de casa, engajei-me num navio.

MINHA PRIMEIRA VIAGEM
Minha mãe tinha razão. A vida era difícil e trabalhosa. Mesmo com o mar sereno e o dia lindo, serviços não faltavam, um atrás do outro.
Uma noite o vento soprou tão forte, que o navio era jogado de um lado para outro como se fosse casca de noz, Toda a noite o vendaval soprou e nos judiou. Fiquei tão amedrontado que não sabia o que fazer.
Era impossível que o navio não fosse ao fundo. Se escapo desta - disse comigo -, outra não me pilha. Chega de ser marinheiro. Só quero agora uma coisa: Voltar para casa. Na manhã seguinte o sol apareceu, o céu se fez todo azul e o mar parecia um carneirinho, de tão manso. O tempo continuou firme e meu medo foi desaparecendo. Essa minha viagem durou pouco, pois o navio só foi a Londres. Meu desejo de fazer longas viagens e conhecer o mundo inteiro tornou-se mais forte do que nunca.

MAIS UMA VIAGEM Um dia encontrei um velho capitão que costumava viajar pela costa da África. Conversamos e ele gostou de mim. "Meu navio vai para a África negociar. Levo um carregamento para negociar com os negros." Dez dias depois estávamos em pleno mar. O capitão ensinou-me muitas coisas. Como o piloto dirige o navio e como se faz uso da bússola. Por muitos dias só tivemos bom tempo. O navio navegava firme, tudo parecia indicar que a viagem seria das mais felizes.

O NAUFRÁGIO Uma violenta tempestade veio de sudoeste. Nunca vi tempestade mais furiosa. Dias e dias fomos arrastados para o mar afora, esperando a todo momento um fim terrível. A tempestade crescia de violência. No décimo terceiro dia, pela manhã, um marinheiro gritou: "Terra à vista!" Corri ao convés para ver, mas justamente nesse momento, o navio bateu num banco de areia e ficou imóvel. Estava encalhado.
Grandes ondas vinham quebrar-se no convés. Que havemos de fazer? Gritou um marinheiro. Nada! - respondeu o capitão - nossa viagem está no fim. Só nos resta esperar que as ondas arrebentem o navio. Nenhum bote poderia flutuar num mar como esse. Vagalhões furiosos nos foram levando em direção dumas pedras. De repente uma vaga maior nos cobriu. Fomos todos engolidos pelas águas. Sou lançado à praia. Só me lembro que depois disso, quando abri os olhos, me achava numa praia, com as ondas rolando sobre mim. Levantei-me a custo. Estava salvo da fúria do oceano. Exausto da terrível luta, deixei-me ficar deitado na areia e meus pensamentos dirigiram-se para Deus em agradecimento. Depois olhei ao redor e vi ao longe, encalhado no banco de areia, o navio sempre batido pelas vagas. Em seguida, pensei nos companheiros. Onde estariam eles? Caminhei pela praia e não vi ninguém. Apenas vestígios, aqui um chapéu, ali um sapato... Todos haviam morrido, afogados pelas ondas.

MINHA PRIMEIRA NOITE
Tinha passado de meio-dia. O sol brilhava no céu. A tempestade cessara. Minhas roupas estavam encharcadas. Sentei-me ao sol, para secá-las. Não tinha o que comer ou beber. Tinha comigo um canivete, um cachimbo e um pedaço de fumo. Chorei como uma criança. O sol foi desaparecendo. Era noite. Nunca me senti tão só, tão desamparado. E se houver feras por aqui! Virão atacar-me durante a noite. A pouca distância havia uma frondosa árvore e rente um pequenino riacho de água pura. Matei a sede, depois trepei na árvore. Seus galhos eram forquilhas bem abertas, de modo que pude ajeitar-me entre eles. Com o canivete cortei um porrete de um metro de comprimento para defender-me de algum ataque noturno. A escuridão era profunda. O único rumor era o das ondas a baterem nos rochedos. Como estava muito cansado, dormi o sono mais profundo de minha vida.

MEU PRIMEIRO AMANHECER
Quando acordei, era dia velho. O sol estava alto. O céu azul, o ar de uma pureza única. Desci do meu poleiro e fui examinar o mar. O navio estava mais perto da praia. A maré o havia trazido, encalhando-o novamente nos recifes. Meti-me pela água e fui a nado até o navio. Pareceu-me impossível, trepar por aquele liso casco. Vi um pedaço de corda que pendia e agarrei-me a ela e em pouco achei-me dentro do navio.

FAÇO UMA JANGADA
Havia muita água no porão. Felizmente as cabinas e a dispensa estavam secas, com muitas caixas de mantimentos em perfeito estado. Minha fome era grande. Muita coisa vi lá dentro de muito valor para mim em terra, mas como levá-las só por meio de uma jangada? Ajuntei alguns paus, tábuas e pedaços de corda e tratei de amarrá-los, uns junto aos outros de modo a formar uma jangada. Atei nela a minha corda e lancei-a ao mar. Boiou perfeitamente. Arranjei alguns caixões. Pus mantimentos, biscoitos, farinha, arroz, queijo, carne-seca e bolachas. Amarrei-os em uma forte corda e desci-os para a jangada. Outro enchi-o com roupas e na última hora, ainda joguei nele um saquinho de sementes de trigo. Depois dei com uma caixa de ferramentas, pregos e martelo e outros apetrechos. Lembrei-me do meu medo das feras e procurei armas. Na cabina do capitão encontrei duas boas espingardas, um par de pistolas, um facão meio enferrujado e e ainda duas espadas. Desamarrei a jangada e o vento e as ondas ajudara-me a ir vagarosamente para a praia.

DESCUBRO QUE ESTOU NUMA ILHA.

O sol ainda estava alto e eu cansadíssimo. Esvaziei os caixões e com eles fiz as tábuas da jangada mais os panos das velas, fiz uma tosca habitação onde me meti. Por meia hora ainda estive de olhos abertos e por fim ferrei no sono. Ali perto havia um morro alto onde eu pudesse ver longe. Pus a espingarda no ombro, o facão na cinta e galguei o alto do morro. Que vista maravilhosa! Verifiquei que a ilha era muito grande. Não vi sinal de vida. A idéia de que estava sozinho numa ilha desabitada, deixou-me triste. O sol já ia desaparecendo quando voltei para minha tosca habitação.

APARECE-ME UMA VISITA E DESCUBRO MAIS COISAS.


Quando acordei, dei com um gato em cima de uma das caixas. Tirei um pedaço de bolacha do meu bolso e joguei-o para o bichinho que o devorou tal a fome que tinha. descobri que na ilha também tinha cabritos e logo logo pensei que não ficaria sem carne e leite, para ajudar no meu sustento. Nessa noite choveu e ventou muito.

COMEÇO O MEU CASTELO
Deitei-me, e nessa noite inteira a tempestade rugiu lá fora. De repente, a chuva serenou e como sempre o meu primeiro olhar foi para o navio, a ver se continuava no mesmo lugar. Não existia o menor sinal do navio. A tempestade o havia destruído durante a noite. Comecei a me preocupar com as feras. Também tinha receio de que me aparecessem índios ferozes ou canibais. Era preciso prevenir-me contra esses perigos. Para tal, o bom seria construir um pequeno forte que me servisse de morada. Procurei um lugar ideal na chapada de um monte. Primeiro risquei no chão um cercado. Depois cortei madeira e fui fincando postes bem juntos para cercar. Depois trancei as estacas com as cordas trazidas do navio. Não fiz portas, para entrar ou sair. Fiz uma pequena escada, que depois de servir para subir, era mudada para o outro lado e servia para descer. Ali dentro, guardei os meus ricos salvados.

PRIMEIRA CAÇADA
Um dia descobri na ilha um bando de cabritos. Foi um dia feliz. Iria ter carne e leite também. Atirei em um pássaro grande que se empoleirava em uma árvore próxima. O tiro foi certeiro e nessa tarde o jantar foi de ave assada. Como estava gostoso, não sei se foi pela fome, só sei que muito pouco sobrou para o gato. Na cabina do capitão encontrei tinta e papel. Havia mapas e uma bússola, três ou quatro livros sobre navegação, bem como uma Bíblia que me foi útil. Com a tinta e o papel comecei a escrever diariamente tudo o que se passava. Depois que terminei o meu castelo, coberto de panos de vela do navio, vi que faltava mobília. Para uma mesa e uma cadeira aproveitei as tábuas que vieram do navio. Tudo levava muito tempo, mas servia para encher a imensidão de tempo de que dispunha.

EXPLORANDO A ILHA

Por esse tempo, fazia já 10 meses que eu estava naquele lugar deserto, e apesar disso só lhe conhecia pequena parte. Certa manhã pus a espingarda no ombro e saí em exploração. Segui pelo pequeno rio de águas claras. Ao longo desse riacho, lado a lado vi lindas várzeas cobertas de capim alto. Nessas várzeas, encontrei muitos pés de fumo, crescendo como planta selvagem. Encontrei varias mudas de cana de açúcar e muitas outras plantas desconhecidas. No dia seguinte fiz o mesmo caminho, indo porém muito mais longe. Cheguei a uma floresta onde encontrei várias qualidades de frutas. Entre elas uvas. Colhi numerosos cachos que pendiam maduros para colocá-los ao sol para secar. Obtive ótimas passas. A noite me alcançou no mato e, em vez de voltar ao castelo, resolvi dormir no mato. No dia seguinte alcancei um ponto onde o terreno virava encosta desse morro. Tão fresco ali, tão lindo e verde que tive a impressão de estar num jardim. De volta, pulei de contentamento ao ver uma enorme tartaruga entre as pedras. Isso representava para mim bastante comida. Ao jantar, tartaruga cozida, sopa de tartaruga ou ovos de tartaruga.

PREPARANDO-SE PARA O INVERNO

Agradou-me tanto aquele vale, que resolvi construir uma casinha que me servisse no verão. Ali vinha passar dois ou três dias de recreio. Fiz um varal de cachos de uvas ao sol e levei-as para o castelo. Fui ajuntando comestíveis para o inverno. O frio ali era pouco, em compensação era um chover que não tinha fim. Durante semanas fiquei sem poder botar o nariz para fora. Minha provisão de alimentos começou a minguar e um dia, apesar da chuva, tive que sair para abater um cabrito. Fazia um ano que eu estava ali naquela solidão. Pus-me a pensar como marcar o tempo que ali estaria. Plantei um alto poste no terreiro. No alto gravei em letras grandes estas palavras : Aqui cheguei no dia 30 de setembro de 1.659. Cada manhã, dava um corte na madeira, partindo do alto para baixo. Os domingos marcava com um corte mais comprido, e os meses, com um ainda mais longo. Meu calendário era aquilo. Certa manhã, notei que já havia feito 365 cortes na madeira. Um ano justo. E dava graças a Deus de me ter conservado em boa segurança no meio de tantos perigos, tendo já a experiência de que na ilha existiam só duas estações: estação das águas e estação das secas.

PLANTO ALGUNS GRÃOS
Um dia antes de começarem as chuvas, ao arrumar as minhas coisas, dei com o saquinho de sementes trazido de bordo, completamente vazio. Os ratos haviam dado cabo dele, só deixaram no fundo umas pitadas de farelo. Fui sacudi-lo fora. Um mês depois, notei que no lugar onde sacudira o saquinho, estava crescendo uns pés de uma erva diferente das outras naturais dali. Tomei cuidado para que crescesse em paz. Cresceu até a minha cintura. E deitou cachos. Só então percebi que era trigo. A colheita ia ser de 12 espigas que me forneceriam os grãos necessários para iniciar a cultura de trigo na ilha. Tinha acontecido lá uma coisa curiosa. Os paus que fiz a cerca eram verdes e, em vez de secarem, criaram raízes e brotaram. Pude guiar os brotos para o centro do cercado e amarrá-los num poste alto que lá finquei. Desse modo, consegui um caramanchão bem lindo, que ficou um verdadeiro ninho de verdura. Que prazer nos dias da estação seca.

UMA LONGA VIAGEM PELA ILHA

Sempre tive idéia de conhecer a ilha toda. Um dia chegou a vez. Espingarda no ombro, facão na cintura, um sortimento de passas e biscoitos na sacola. Andei bastante e vi ao longe terras, a umas cinquenta milhas de distância Se era uma outra ilha ou terras do continente americano, não podia saber. Achei aquele lado da ilha mais bonito que o outro. Campos abertos, cheios de flores. Também cheios de florestas com lindas árvores. Vi um papagaio tagarelando no arvoredo e pensei de pegar um para enfeite do castelo. Tive trabalho, mas apanhei um filhote para aprender a falar. Esse papagaio custou um pouco a falar, por fim aprendeu a pronunciar o meu nome com perfeição. Havia lá muitas aves, algumas que nunca tinha visto. Havia também coelhos. Nessa demorada excursão viajei sem pressa ao redor da ilha. Nas praias passeavam muitas tartarugas e uma infinidade de aves marinhas. Às vezes, comia um pombo assado. Outras, um suculento naco de tartaruga ou uma perna de cabrito. Pescava em cima das pedras com caniço improvisado que fabriquei. Frutos do mar, tais como camarão, ostras e mariscos, tinha-os em quantidade e facilidade de os obter.

PRIMEIRA COLHEITA


Foi grande o meu prazer de regressar ao castelo. Bastante cansado, fiquei sem sair durante uma semana. Enquanto descansava, construía a gaiola do papagaio que batizei com o nome de Pol. Ficou mansinho e muito meu camarada. A plantação de trigo ia indo muito bem. Assim que as espigas começaram a granar vieram os pássaros. Matei três a tiro. Foi um santo remédio porque desapareceram. Quando o trigo amadureceu, surgiu o problema de como colhê-lo. Lembrei-me da velha espada do capitão. Amolei-a e serviu muito bem. colhi as espigas e debulhei. Vocês já pensaram em quanta coisa é preciso para se fazer o pão? Eu pensei e sei o que é semear o grão, depois colher, debulhar, moer, peneirar, amassar e assar. Para a fabricação do pão, fez-me pensar que o castelo andava muito pobre de vasilhas. Lembrei-me da argila. Encontrei uma boa jazida de argila. Toca a extrair argila e amassá-la. Era preciso dar forma ao barro. Fiz isso com as mãos. Ficaram horrendas as minhas vasilhas. Quebravam-se à toa Fiz algumas, amontoe-as e cobri com uma grande pilha de lenha. Pus fogo e deixei-a até ficar reduzida a cinzas. O resultado foi excelente. Obtive vasilhas tão boas como as melhores da Inglaterra. Embora feias, minhas vasilhas e panelas não racharam ao fogo e resistiam à ação da água. No dia dessa grande vitória, jantei uma deliciosa sopa de tartaruga.

VIRO PADEIRO
Não sabia lidar com o pão, nunca houvera prestado atenção nisso. Construi um pilão de madeira e pude moer o meu trigo. Preparar a massa era simples. Tinha apenas que misturar a farinha com a água e amassar. Fiz dois grandes tabuleiros de barro e queimei-os até ficarem como pedra. Acendi um belo fogo, que apaguei, conservando só as brasas. Pus então as minhas bolotas de massa, arrumadas sobre o tabuleiro, cada qual recoberta por uma panela de barro. Coloquei o tabuleiro sobre as brasas e espalhei brasas por cima das panelas. Fiquei vigiando. Quando me pareceu estar pronto, tirei fora um dos pães e provei-o. Ótimo! Duvido que na Inglaterra houvesse pão mais bem assado que aquele. Depois de resolvido o problema de assar, tive sempre na minha mesa jantares completos de forno e fogão.

FAÇO UMA GRANDE CANOA

Queria escapar daquela solidão, queria ver gente, estava cheio de saudades de minha terra natal e de meus amigos. Eu era um rei naquela ilha. Tinha todas as comodidades. Abundância de alimentos, água pura, ar saudável..... O resultado dessas cogitações foi o de construir uma canoa resistente ao alto mar. Na floresta encontrei madeira apropriada. Um tronco de cedro. Era um madeiro de oito palmos de diâmetro. Duas semanas levei, derrubando esse pau. Depois comecei a escavá-lo. Durante três meses, não fiz outra coisa. Quando terminei o serviço, senti-me orgulhoso. Tudo foi muito bem até ali. As dificuldades apareceram depois. Como levar a canoa ao mar! Tentei todos os meios, sem conseguir mover de um dedo a canoa. Que estúpido havia sido! Quem tem juízo, primeiro olha a largura do valo antes de pular. Errei e pagava o meu erro.

MEU GUARDA-SOL

O tempo ia passando e com ele as coisas trazidas do navio também iam-se acabando. Os biscoitos duraram apenas um ano, comendo um por dia, como já falei. As minhas roupas começaram a virar trapo. Havia a compensação de que o clima era tropical. Tive que recorrer às peles dos animais. Fiz um gorro. Com o bom resultado, veio a idéia de fazer mais coisas e vira e mexe acabei fazendo um terno inteiro. Depois me veio a idéia de fazer um guarda sol, objeto muito usado no Brasil, terra de sol quente, muito mais seria ali, onde o sol queima como fogo. Comecei a fazer um. Custou-me um bocado. Não saiu guarda sol de abrir e fechar. Era fixo, sempre aberto. Trabalhei nele como quem se diverte em fazer um brinquedo. Foi de grande proveito, permitindo-me sair do castelo com qualquer tempo. Cinco anos já se haviam passado. Durante todo esse tempo, nunca estive ocioso. Procurava sempre me ocupar de qualquer coisa. Único meio de enganar a solidão. De manhã, lia passagens da Bíblia, depois cuidava do almoço e, embora falhasse a primeira tentativa, continuava dentro de minha cabeça, mais viva do que nunca, a idéia da construção da canoa.


Desta vez fiz uma canoa menor. Servia apenas para passeios ao redor da ilha. Antes de a estrear, armei-a com um pequeno mastro a vela, feito de um pedaço que ainda restava das velas do navio. Também arrumei dois ganchos onde minha espingarda pudesse descansar bem ao meu alcance. Não me esqueci do guarda-sol. Lá fui para a canoa, com os objetos necessários. E, assim preparado, iniciei uma série de passeios. Um dia deliberei rodear a ilha de canoa. Carreguei-a com 12 pães e dois quartos de cabrito já assados. Também pólvora e chumbo, para muitos tiros. Parti em novembro e foi essa a mais dura e perigosa viagem da minha vida. Havia muitos rochedos na costa. Em certo ponto fui apanhado por uma corrente marinha que por um triz não deu cabo de minha vida. Estive assim muito tempo, até que a corrente me levou para mar alto. Dei-me por perdido. Não enxergava terra. Súbito, notei que a canoa havia beirado a corrente. Tomei o remo, desesperado remei, e de repente percebi que havia me safado da corrente. Que alegria! Cheguei à ilha, afinal, são e salvo! Havia escapado!

UMA VOZ HUMANA

Meu primeiro movimento, ao pisar em terra firme, foi render graças a Deus. Depois deitei-me na relva para descansar. Estava tão fatigado que dormi imediatamente só acordando no dia seguinte. O mar havia me deixado doente. Assim de guarda-sol aberto lá me fui na direção do meu castelo. Cheguei já noite e deitei-me para dormir. De repente ouvi dentro da escuridão uma voz dizer claramente: Robinson Crusoé !Robinson Crusoé! Será sonho? Pensei arregalando os olhos. Não era. Ouvi novamente, bem claro. Pus-me de pé num salto. Mas vi logo o que era. Vi o vulto do meu papagaio, num pau rente ao meu ombro. Fi-lo pousar no meu dedo, como era seu costume e aproximei-o de mim. Deu-me bicadas amigas na mão sempre repetindo o meu nome. Fiquei convencido de que o papagaio, tinha amor por mim.

SINTO-ME FELIZ COMO UM REI

Farto de aventuras, deixei-me ficar no castelo com os meus amigos. O papagaio, o gato, as cabras e cabritos. Era um rei num reino sem súditos. Se alguém me visse, haveria de rir-se, se é que não sentisse medo. Um gorro muito sem jeito na cabeça, colete e calças largas de peles e um esquisito par de sandálias de couro nos pés amarradas com correias. Ao redor da cintura um largo cinto de couro. A espingarda, e sempre um saco de coisas ao ombro. É que a lembrança do naufrágio estava sempre presente na minha lembrança.

SINAIS NA AREIA
Quando fazia bom tempo eu costumava ir ao outro lado da ilha de canoa contornando pela praia. Tais excursões para mim constituíam um real prazer. Numa destas vezes distraído imaginem o que encontrei a olhar para o chão? A marca de um pé humano, impressa na areia da praia. Esfriei: parecia que o sangue se houvesse gelado em minhas veias. E ali fiquei paralisado, como quem dá com fantasma. Voltei a examinar o rasto novamente. O rasto lá estava - a marca do calcanhar, da sola, e dos dedos de um pé humano. Tão amedrontado fiquei que desisti do passeio de canoa e voltei ao castelo a toda pressa. Precisava me preparar para a defesa. Não pude dormir nessa noite. Por fim decidi comigo mesmo que aquele rasto só poderia ser de algum índio que houvesse desembarcado na ilha. Mas onde estaria ele? Tamanho foi o meu medo que passei três dias sem sair do castelo. Cheguei a passar fome. Pouco a pouco, entretanto, fui sossegando e criei coragem. Fui escondendo-me até o cercado das cabras, para conseguir um pouco de leite. Os pobres animais ficaram tão contentes de me ver. Tudo isso porque havia enxergado na areia a marca de um ser da minha espécie.

SELVAGENS
Certa manhã, sai de casa muito cedo para ceifar o meu trigo. Fazia tanto calor nessa estação que eu só trabalhava pelas manhãs. Em meio do trajeto, parei, surpreso. Havia visto ao longe a luz de uma fogueira. Quem teria acendido o fogo? Só poderiam ter sido os selvagens. Fiquei imóvel a olhar. Trepei ao topo, levando comigo os óculos de alcance, que tinha desde o naufrágio. Lá de cima deitei-me e pus-me a sondar ao longe através da luneta. Vários selvagens nus estavam sentados em redor de um pequeno fogo. Contei cinco. Aquele fogo não seria para se aquecerem visto não estar fazendo frio. Logo estavam assando qualquer coisa, talvez carne humana, já que eram canibais. Assim que se foram, corri a outro ponto mais alto, para ver a direção que levava a canoa deles. Acompanhei as canoas, até perdê-las de vista. Depois fui ter ao lugar do banquete. Horrendo quadro chocou meus olhos. A areia estava coberta de sangue e ossos, Não havia dúvida que tinham matado algum prisioneiro e devorado sua carne. Desde essa época não mais me senti seguro na ilha. Deixei de caçar com espingarda e de fazer fogo. Também encurtei muito os meus passeios. De dia só pensava em um meio de escapar aos selvagens e de noite sonhava horríveis sonhos, cheios de cenas de canibalismo.

FIZ UMA FORTIFICAÇÃO NO ALTO DAQUELE MORRO

Fiquei tão assustado que resolvi fazer uma trincheira em cima daquele morro, pois era estratégico aquele lugar. Dava uma ampla visão da praia, do mar e de tudo lá em baixo. Levei as duas espingardas carregadas e passava horas e horas na observação daquele vista. Parecia ver novamente aquela cena anterior, onde aqueles índios haviam feito uma fogueira e assado com certeza algum inimigo. Via também por lembrança aquelas três canoas que os haviam trazido. Sentia repugnância ao lembrar aquele sangue e ossos na praia. Assim, passei nessa observação por muitos dias. Levava o que comer e água e só saía quando chegava o anoitecer. Mas não os vi mais. Com certeza eram de outra ilha e só ali estiveram para o macabro churrasco.

SEXTA FEIRA
Em Maio houve formidáveis tempestades na ilha. Choveu sem parar, de dia e de noite, durante todo aquele mês. Chuva violentíssima, acompanhada de relâmpagos que cegavam e trovões medonhos. Acostumado como estava, fiquei no castelo feliz, por ter tal morada com que abrigar-me. Pus-me a ler a Bíblia. Mais dois anos se passaram sem novidades. Numa noite perdi o sono e fiquei horas na rede a virar-me de um lado para o outro, sem conseguir pregar o olho. Tudo o que se passara comigo até aquele momento me veio à memória. Recordei os primeiros anos na ilha, felizes sem cuidados. Recordei com inquietação o encontro do primeiro rasto humano na areia. Tal idéia tomou tal corpo em meu espírito que nunca mais me livrei dela. Acordado ou dormindo, só pensava naqueles acontecimentos. Certa manhã de junho, tive uma surpresa. Vi vária canoas em seco na praia. Trepei no alto da muralha e, através do óculos de alcance, pude avistar alguns índios inteiramente nus, a dançarem, ao redor do fogo. Estavam assando carne em brasas - não sei se carne humana ou não. Em certo momento, alguns deles dirigiram-se a uma das canoas e trouxeram de lá, arrastado, um prisioneiro que se debatia e, em dado momento, conseguiu ludibriá-los fugindo em disparada veloz. Nunca vi ninguém correndo assim. E veio em direção do castelo. Fiquei grandemente agitado. Entre o castelo e os selvagens havia um rio. Se o fugitivo conseguisse cruzar o rio a nado, certo estaria salvo. Atravessou-o veloz como um peixe. Chegou a hora de pegar o meu índio - disse eu comigo. Deste lado! Gritei-lhe. Corra para cá que eu te defenderei.
Está claro que o pobre não entendeu a linguagem e meus gestos. Mas não havia tempo a perder. Os índios que o perseguiam desistiram de atravessar a nado o rio, que nessa época estava muito cheio devido às fortes chuvas. Livre dos índios, ali estava o fugitivo, olhando-me com os olhos esbugalhados. Chamei por ele: - Venha cá, amigo. Não farei mal algum a você. Como não entendesse, traduzi essas palavras em gestos. Ele caminhou alguns passos em mina direção e parou indeciso. Fiz outro sinal e ele caminhou mais uns passos e parou. Tremia como geleia. Receava que o matasse. Mas meus gestos foram convencendo-o de que não estava diante de um inimigo. E por fim chegou-se. Ajoelhou-se aos meus pés, curvando a cabeça até encostá-la no chão. Era uma maneira de jurar-me submissão para sempre. Falei-lhe mansamente, com tom amigo. Estava enfim livre de minha solidão de 25 anos.

MEU AMIGO SEXTA FEIRA Selvagem como era, falou tantas coisas que não entendia. Mas que linda, sua voz, e como foi agradável ouvir outra vez a voz humana. Assim que cheguei, dei-lhe um pedaço de pão e uma bilha de água. O pobre estava morrendo de sede e bebeu o pote inteiro. Depois deitou-se na palha e dormiu profundamente. Era um belo índio. Não muito alto, mas forte. Cabelos compridos e negros. Testa alta e larga. Olhos muito brilhantes. Tinha a face redonda e cheia, o nariz bem formado, os lábios finos e os dentes alvos como marfim. A pele, cor de azeitona. Depois de dormir por longo tempo acordou e vendo-me a tirar leite das cabras, fez gesto se podia sair. Comecei a ensinar-lhe algumas palavras. Era bem vivo e aprendia depressa a significação de várias palavras. Pus-lhe o nome de Sexta-Feira pelo fato de o ter salvo numa sexta- feira. As primeiras palavras aprendidas foram "Mister" e sim e não. A noite dei-lhe una tigela de leite e um pedaço de pão. Meu primeiro cuidado foi ver se os índios tinham deixado a ilha. Espiei pelos óculos. Não estavam mais lá. No dia seguinte, armei a tenda para o meu novo companheiro. E como não tivesse roupa, comecei a fazer-lhe um terno de peles. Dei-lhe uma calça de brim que achei na canastra do naufrágio. Fiz-lhe uma jaqueta e um gorro de peles de coelho.

SEXTA FEIRA APRENDE MUITAS COISAS

Alguns dias depois, levei Sexta-Feira à caça e à pesca. Ao chegar em certo ponto, dei com vários cabritos selvagens, descansando à sombra de uma árvore. Fiz sinal de alto, e tomando a espingarda, apontei e.... pum... Matei um dos cabritos, e meu índio quase morreu de susto. Assim que Sexta-Feira percebeu o que havia acontecido, foi correndo buscar a caça. Mais adiante dei com um peru e pum... A ave caiu. Sexta- Feira olhava para a ave e tremia. Estava assombrado. Levou o cabrito para o castelo, tirou-lhe a pele e esquartejou o animal. Fiz um ensopado para o jantar, que para o índio só tinha um defeito: o sal. Sexta-Feira nunca pode acostumar-se ao sal. Ensinei-lhe como debulhar as espigas de trigo e como moer os grãos. Depois ensinei-lhe a fazer pão e a enfornar a massa. Ficou tão perito que tomou conta da padaria. Expliquei-lhe, um dia, o manejo da espingarda, como se carregava a pólvora, como a bala saía do cano. Contei dos grandes países do outro lado do mar. E também contei toda a minha história. Disse que eu havia vindo de um desses navios o qual, batendo em uma grande pedra, afundara. Contei-lhe de minha canoa. O índio quis vê-la. Levei-o para o sítio onde estava a canoa grande que eu não pudera arrastar até o mar. Mas estava podre, pois fazia já muitos anos que eu a fizera. Eram 25 anos que eu ali estava e mais 2 que havia encontrado o índio. Esses dois anos foram os mais felizes de minha estadia na ilha. Que me faltava? Tinha até com quem conversar!
Porque então essa idéia de deixar a ilha? Saudades, saudades da família e do meu povo. Apesar disso, continuei, como sempre, a fazer as plantações, a cuidar de tudo como se estivesse que ficar na ilha o tempo todo, a vida inteira. Nisto chegou a estação das águas. Demos por findos os trabalhos do campo e guardamos a canoa na praia do rio. Também a cobrimos com achas de madeira, de modo que as águas da chuva não as enchessem. Passamos a estação das chuvas no castelo. De manhã eu lia passagens da Bíblia procurando interessar Sexta-Feira. Falei-lhe um dia do Criador. Perguntei quem havia feito o mar, as estreles, os rios, as montanhas e as flores, tudo enfim. Respondeu-me que foi o grande Ser, que vivia para além de tudo o que existe. Creio que ele não poderia dar melhor resposta.

APARECE UMA VELA NO HORIZONTE
Tenho que pular muitas coisas que aconteceram nestes últimos tempos para que esta história não fique demasiadamente longa. Vou apenas contar o grande acontecimento que se deu, para encerrar a fase de minha vida na ilha. Foi assim. Eu ainda estava dormindo, quando fui despertado pelos gritos de Sexta-Feira lá fora.
- Senhor, Senhor! Um navio, um navio! Pulei da cama como um relâmpago. E pela primeira vez saí sem me lembrar da espingarda. De fato. A três milhas da costa, avistei um bote que rumava para a ilha. Aproximava-se rápido. Trazido por uma vela em forma de presunto. Não podia ser embarcação de índio. Desci ao castelo e disse a Sexta-Feira que ficasse em casa quieto, até verificarmos se eram amigos ou não. Parecia navio inglês. O bote ia chegando à praia. Pude ver seus homens distintamente. Eram ingleses, sem dúvida.

Em seguida todos os marinheiros se espalharam pela ilha. Muito bem, pensei comigo. A maré montante, leva muitas horas para vir. Nesse intervalo, terei muito tempo para saber o que querem aqui. Preparei as espingardas. E pus-me a esperar a noite. Sexta- Feira, vamos sair e ver o que se passa. Não nos viram chegar. Plantei-me diante deles e disse: Quem são vocês? Nunca vi maior surpresa estampada em faces humanas. Pularam de pé. Tinham perdido a voz de susto. Não se assustem. Sou amigo. Venho trazer-lhes auxilio. Então - disse um deles - deve ter caído do céu, porque só do céu nos poderia vir socorro neste momento. Sou inglês - expliquei - e estou pronto a auxiliar vocês. Tenho um servo índio, bem armado. Conte-me depressa o que há.


O capitão entre eles explicou que vieram à ilha em busca de água e frutas de que precisavam. - Muito bem, respondi, poderei supri-los do que necessitam. Contei minha história ao capitão, que muito se admirou de minha aventura. - Então você se transformou em um autêntico governador da ilha ROBINSON CRUSOÉ. Assim me chamaram e assim fiquei sendo.

ROUPAS NOVAS Na manhã seguinte, dormi até tarde para reparar as forças e acalmar-me das fortes emoções da véspera. Em seguida ouvi alguém chamando: Governador, governador. Era a voz do capitão. Corri ao seu encontro. O bom homem apontou para o mar. Olhe, perto da praia está o navio. Meu caro amigo, disse ele. Eis o nosso navio. Podemos embarcar. Minha emoção era grande. Nada pude responder. Abracei-o. Por fim, um acesso de lágrimas me tomou e chorei como uma criança. Logo que me acalmei, o capitão disse-me que me havia trazido um presente. Gritou para os marinheiros: Tragam o presente do governador. Os marinheiros trouxeram uma arca de madeira. Depositaram-na aos meus pés. O capitão fez um gesto de que a abrisse e me servisse. Assim fiz. Encontrei lá, duas libras de fumo, doces enlatados, garrafas de suco de laranja. Mas no fundo é que estava a grande surpresa sob a forma de seis camisas novas, seis gravatas de seda, dois pares de luvas, um par de sapatos, meias, um chapéu e um lindo terno de roupa. Podia vestir-me de gente outra vez. Mas havia tantos anos que não usava aquelas coisas que me senti desajeitado. Quando me apresentei com os meus novos trajes. O pobre Sexta-Feira não me reconheceu. No dia seguinte, tudo ficou pronto para a partida.

Assim, a 19 de dezembro de 1.687, partimos para a Inglaterra, tendo eu estado na ilha, 28 anos, dois meses e 19 dias. Levei o gorro de pele de cabra, o famoso guarda-sol. O papagaio também. Um outro papagaio, pois o primeiro,Pool, havia morrido. Quanto a Sexta-Feira, nada no mundo o faria separar-se de mim. Foi também. Tivemos viagem demorada e difícil, mas a 19 de junho alcançamos Londres. Estava em casa. Estava finalmente em minha terra. Corri a Iorque. Meus pais estavam mortos, havia longo tempo. Os amigos da juventude já não se recordavam de mim. Achei-me só no mundo. Que iria fazer?
Por felicidade, minha fazenda no Brasil prosperara. Um homem que lá deixei tomando conta tinha cultivado muito fumo e ganho muito dinheiro. Era um homem honesto. Assim que soube que eu estava vivo, escreveu-me uma carta comprida, dando conta de tudo. Também me remeteu uma vultosa soma em dinheiro, o que muito me contentou. Estava rico, pois se quisesse passaria o resto de minha vida na ociosidade. Mas a ociosidade me era odiosa. Pus-me a viajar, a ver mais o mundo, e novas e extraordinárias aventuras se sucederam. Essas, porém, não cabem num livro que está no FIM.











































Nenhum comentário: