domingo, 26 de abril de 2009

A formiga boa

Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos, arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas.A pobre cigarra, sem abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou socorrer-se de alguém.Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se dirigiu para o formigueiro. Bateu
– tique, tique, tique...
Aparece uma formiga friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
– Que quer? – perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
– Venho em busca de agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
A formiga olhou-a de alto a baixo.
– E que fez durante o bom tempo, que não construiu sua casa?
A pobre cigarra respondeu depois dum acesso de tosse:
- Eu cantava, bem sabe...
– Ah!... – exclamou a formiga recordando-se. – Era você então quem cantava nessa árvore enquanto nós labutávamos para encher as tulhas? – Isso mesmo, era eu...
– Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: "que felicidade ter como vizinha tão gentil cantora!" Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante todo o mau tempo.
A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a alegre cantora dos dias de sol.Os artistas – poetas, pintores, músicos – são as cigarras da humanidade.

LOBATO, Monteiro.

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