domingo, 28 de junho de 2009

Girafa

Leio que no Jardim Zoológico há uma girafa, macho e triste, chamada Santoro, que matou a companheira e por sua vez está morrendo de tristeza. Ao lado da notícia, uma foto do animal: o pescoço infinito ergue contra as nuvens do céu uma cabeça de fábula. É a própria imagem da solidão.
Todo homem solitário é uma girafa. Perdoem se deliro, mas é. Como veem, discordo de Kafka,
que transformou um homem solitário em inseto. Há os que viram inseto, admito, mas há os que atravessam as ruas vertiginosamente sós, com a cabeça nas nuvens. Se ser solitário é ser girafa, o que não será uma girafa solitária?
Consulto o fascinante livro Mamíferos, editado pelo MEC, aprendo que nas horas de aflição as girafas gemem baixinho — é a sua fala. E, para confirmar minha intuição, leio que, por ter pescoço tão comprido, a girafa não consegue lamber o próprio corpo. É a companheira quem faz esse serviço para ela. Quer dizer que uma girafa solitária não se basta, nem pra se coçar. A forma diz tudo. O pescoço a distancia de si mesma. E penso com mais pena ainda na girafa Inocêncio Santoro, só, no Jardim Zoológico, fitando por cima das árvores um horizonte sem esperanças...

(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2003. p. 90)

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