quarta-feira, 1 de julho de 2009

AFINAL, QUEM MANDA NA FLORESTA

Enfim, resolveu o Leão sair para fazer sua pesquisa, verificar se ainda era o Rei dos Animais. Os tempos tinham mudado muito; as condições do progresso, alterado fundamentalmente a psicologia e os métodos de combate das feras; as
relações de respeito e de hierarquia já não eram as mesmas – diziam até que subterraneamente as formigas estavam organizadas. De modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar‑se é uma das buscas constantes do espírito humano e, por extensão,
do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a repetida consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável – eis um prazer dos deuses.
Assim o Leão encontrou o macaco e perguntou:
– Hei, você aí, macaco. Quem é o rei dos animais?
O macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta:
– Claro que é você, Leão, claro que é você!
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao Papagaio:
– Currupaco, Papagaio. Quem, segundo o seu conceito, é o Senhor da Floresta, não é o Leão?
E, como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o Papagaio, rumorejando as asas:
– Currupaco... é o Leão? Não é o Leão? Não é o Leão, currupaco?
Cheio de si, o Leão penetrou mais ainda floresta adentro, em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou:
– Coruja velha, não sou eu o maioral da mata?
– Sim, ninguém duvida de que és tu, disse a Coruja. Mas disse de lábia, de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça, sem nem mesmo perceber que a floresta se adensava e se espinhava. Encontrou o tigre.
– Tigre – disse em voz de estentor, para impor-se ao rival temível –, não tens a menor dúvida de que sou o Rei da Floresta. Certo?
O Tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão queimando as folhas e disse, rosnando contrafeito:
– É.
E, quando o Leão se afastou, rugiu de novo, ainda mais mal-humorado e já arrependido.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o Elefante. Perguntou:
– Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador,
Tzar, Legislador, Presidente da República, dono e senhor de
árvores e de seres dentro da mata?
O Elefante pegou‑o pela tromba, deu com ele três voltas no ar, atirou‑o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e humilhado, levantou‑se lambendo uma pata quebrada e murmurou:
– Que diabo, só porque não sabia a resposta, não era preciso ficar tão zangado.

MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE ENTENDE.
Millôr Fernandes. Fábulas Fabulosas. Ed. Nórdica.

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