sexta-feira, 10 de julho de 2009

Eita perguntinha!


– Pai, o que é ética?

O pai descansa o jornal, olha para o cunhado:

– Você quer responder?

– Eu?! O pai dele é você!

– Mas você é professor, pensei que...

– Negativo, responda você, pariu Mateus que embale.

– Eu não sou Mateus, tio – corrige o menino. – Sou...

– Sei quem você é, é modo de falar, e o problema é que...

– O problema – o pai sorri – é que seu tio não sabe o que é ética...

O tio então se apruma na poltrona, junta as mãos, pigarreia e diz que, bem...

– ... ética é um conjunto de qualidades intrínsecas ao comportamento humano, visto sob a ótica coletiva, ou seja, o que é bom para você tem também de ser bom para todos, ou não será ético, certo?

O menino fica pensando, o pai e o tio voltam aos jornais, mas logo ele volta ao assunto:

– A mãe sempre diz que fica doente de me ver comer tanto doce. Então doce não é ético?

Dê aí uma explicação bem intrínseca, diz o pai, e o cunhado diz sim, claro:

– Ética é você escolher o bem em vez do mal, não fazer aquilo que seja mau para os outros. Por exemplo...

– ... roubar – emenda o pai – e mentir, ludibriar, difamar, certo?

– Certo, concorda o menino com a cabeça, para em seguida perguntar:

– E o que é ludibriar e difamar?

– Ludibriar é enganar.

– Que nem quando você diz pra mãe que vai me levar no parque e me leva pro shopping?
O cunhado levanta o jornal para esconder o riso, e é a vez do pai pigarrear:

– Bem, não... quer dizer, sim, ou melhor, não, você não está enganando se a intenção é boa, é... afinal, nós somos maioria, você e eu preferimos o shopping, só sua mãe prefere que a gente vá ao parque, e na democracia a maioria ganha, então...

– Não, pai, eu sempre prefiro o parque, você é que sempre quer ir pro shopping.

– É que no shopping tem muito mais opções de diversão, filho, e...

– ... e tem chope também – fala a mãe surgindo na porta. – Então está explicado por que tantas idas ao parque sem reclamar...

– Peraí, mulher – o pai larga o jornal. – Você ouviu só parte da história e, aliás, por que não perde essa mania de chegar de mansinho pra ouvir conversa dos outros?

– Ora, eu estou na minha casa, não estou?

– Mas é q... – o pai engasga, joga o jornal, levanta. – É que não é ético! E vou sair antes de ter que ouvir sermão! – e sai batendo a porta.

– Ah, não é ético? – resmunga a mãe, enquanto o menino vê o jornal do tio se sacudindo, até que se volta para ela:

– Mãe, falando sério, o que é ética?


PELLEGRINI, Domingos. Ladrão que rouba ladrão e outras crônicas – Coleção para gostar de ler, n° 33, 1ª ed. Ática, 2002.

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