sexta-feira, 31 de julho de 2009

Folhas Secas

Eu estava dando uma aula de Matemática e todos os alunos acompanhavam atentamente. Todos?

Quase. Carolina equilibrava o apontador na ponta da régua. Lucas recolhia as borrachas dos vizinhos e construía um prédio. Renata conferia as canetas e os lápis do seu estojo vermelhíssimo e Hélder olhava para o pátio.

O pátio? O que acontecia no pátio?

Após o recreio, dona Natália varria calmamente as folhas secas, amontoava e guardava tudo dentro de um enorme saco plástico azul. Terminando o varre-varre, dona Natália amarrou a boca do saco plástico e estacionou aquele bafuá de folhas secas perto do portão. Hélder observava atentamente. E eu observava a observação de Hélder – sem descuidar da minha aula de Matemática. De repente, Hélder foi arregalando os olhos e franzindo a testa.

Qual o motivo do espanto?

Hélder percebeu, no meio das folhas, alguma coisa se movimentando desesperadamente, com aflição, sufoco, falta de ar. Hélder buscava interpretações para a cena, analisava diversas possibilidades, mas o contorno do passarinho já se delineava na transparência azul do plástico. Isso! Um filhote de pássaro caiu do ninho, foi confundido com as folhas secas e foi varrido. Agora lutava pela liberdade.

Ele tá preso!

O grito de Hélder interrompeu o final da multiplicação de 15 por 127. Todos os alunos olharam para o pátio. E todos nós concordamos, sem palavras: o bico do passarinho tentava romper aquela estranha pele azul. Hélder saiu da sala e nós fomos atrás. E, antes que eu pudesse pronunciar a primeira sílaba da palavra “calma”, o saco plástico simplesmente explodiu, as folhas secas voaram e as crianças pularam de alegria.

Alguns alunos dizem que havia dois passarinhos presos. Outros alunos viram três passarinhos voando felizes e agradecidos. Lucas diz que era um beija-flor. Renata insiste que era uma cigarra. Eu, sinceramente, só vi folhas secas voando.

Para concluir esta inesquecível aula de Matemática, pegamos vassouras, pás e sacos plásticos e fomos varrer o pátio.

Conto de Francisco Marques (Chico dos Bonecos). Revista Nova Escola.

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