domingo, 18 de outubro de 2009

Luis Fernando Verissimo nos reserva sempre uma agradável surpresa... É uma onda!

A espada


Uma família de classe média alta. Pai, mulher, um filho de sete anos. É a noite do dia em que o filho fez sete anos. A mãe recolhe os detritos da festa. O pai ajuda o filho a guardar os presentes que ganhou dos amigos. Nota que o filho está quieto e sério, mas pensa: "É o cansaço". Afinal ele passou o dia correndo de um lado para o outro, comendo cachorro-quente e sorvete, brincando com os convidados por dentro e por fora da casa. Tem que estar cansado.

- Quanto presente, hein, filho?

- É.

- E esta espada. Mas que beleza. Esta eu não tinha visto.

- Pai...

- E como pesa! Parece uma espada de verdade. É de metal mesmo. Quem foi que deu?

- Era sobre isso que eu queria falar com você.

O pai estranha a seriedade do filho. Nunca o viu assim. Nunca viu nenhum garoto de sete anos sério assim. Solene assim. Coisa estranha... O filho tira a espada da mão do pai. Diz:

- Pai, eu sou Thunder Boy.

-Thunder Boy?

- Garoto Trovão.

- Muito bem, meu filho. Agora vamos pra cama.

- Espere. Esta espada. Estava escrito. Eu a receberia quando fizesse sete anos.

O pai se controla para não rir. Pelo menos a leitura de história está ajudando a gramática do guri. "Eu a receberia..." O guri continua.

- Hoje ela veio. É um sinal. Devo assumir meu destino. A espada passa a um novo Thunder Boy a cada geração. Tem sido assim desde que ela caiu do céu, no vale sagrado de Bem Tael, há sete mil anos, e foi empunhada por Ramil, o primeiro Garoto Trovão.

0 pai está impressionado. Não reconhece a voz do filho. E a gravidade do seu olhar. Está decidido. Vai cortar as histórias em quadrinhos por uns tempos.

- Certo, filho. Mas agora vamos...

- Vou ter que sair de casa. Quero que você explique à mamãe. Vai ser duro para ela. Conto com você para apoiá-la. Diga que estava escrito. Era o meu destino.

- Nós nunca mais vamos ver você? - pergunta o pai, resolvendo entrar no jogo do filho enquanto o encaminha, sutilmente, para a cama.

- Claro que sim. A espada do Thunder Boy está a serviço do bem e da justiça. Enquanto vocês forem pessoas boas e justas poderão contar com a minha ajuda.

- Ainda bem - diz o pai.

E não diz mais nada. Porque vê o filho dirigir-se para a janela do seu quarto , e erguer a espada como uma cruz, e gritar para os céus: "Ramil!". E ouve um trovão que faz estremecer a casa. E vê a espada iluminar-se e ficar azul. E o seu filho também.

0 pai encontra a mulher na sala. Ela diz:

- Viu só? Trovoada. Vá entender este tempo.

- Quem foi que deu a espada pra ele?

- Não foi você? Pensei que tivesse sido você.

- Tenho uma coisa pra te contar.

- 0 que é?

- Senta, primeiro.

Luis Fernando Verissimo.In Comédias para se ler na escola. Rio de Janeiro. Objetiva, 2001, pp. 19-21

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