quinta-feira, 24 de julho de 2008





Pedro Malasartes, famosa personagem do folclore de tantos países, aparece no livro Malasaventuras: Safadezas do Malasartes tendo suas incríveis aventuras narradas em verso. O autor, Pedro Bandeira, conta seis aventuras de Pedro Malasartes, nas quais a personagem se encarrega de vingar, com astúcia e esperteza, os pobres e humilhados pela arrogância dos poderosos. São aventuras hilariantes bem ao gosto popular, em que as "vítimas" de Malasartes caem em armadilhas engraçadíssimas!
Selecionamos uma das histórias e a reproduzimos a seguir. Trata-se do cordel “Cavalo alazão”, em que Malasartes troca um gato que “descomia” moedas pelo cavalo de Jeromão que tinha ido parar nas terras de um coronel que se recusava a devolvê-lo.


O cavalo alazão

Tem também aquela história
De um belíssimo alazão
Que fugiu da propriedade
Do compadre Jeromão.

O cavalo era demais,
Animal de raça pura,
Em qualquer exposição,
Sempre fez boa figura.

Da família do compadre
O cavalo era a riqueza
E o desaparecimento
O que trouxe foi tristeza.

O alazão apareceu
No arraial do coronel,
Homen muito poderoso,
Ele aqui e Deus no céu.

E o danado decidiu
Que o cavalo ia ser seu:
- Se ele entrou na minha terra,
Então foi Deus que me deu!

Malasartes ia passando,
Quando viu o Jeromão
Infeliz de dar piedade
E pedir consolação.

- Jeromão, que cara é essa
De tristeza e desatino?
O seu jeito é de quem
Ta sofrendo do intestino...

- Meu compadre Malasartes,
Veja que infelicidade!
Meu cavalo não é mais meu,
Dele só ficou saudade...

Meu cavalo valioso,
Meu belíssimo alazão,
Agora é propriedade
Do maldito de um ladrão!

O compadre contou tudo,
Tudo ouviu o Malasartes,
E o amigo prometeu
Fazer logo a sua parte.

Arranjou um gato preto,
Velho, feio e esmolambado,
E enfiou cinco moedas
No traseiro do coitado...

Então foi todo feliz,
Com o gato na mochila,
Procurar o coronel,
Que devia estar na vila.

Realmente lá estava
E montado no alazão
Preparando os eleitores
Para a próxima eleição.

Lá de dentro do bolsinho,
Malasartes retirou
Outras dez moedas novas
Que na mão ele deixou.

Devagar foi se chegando
E contando o seu relato.
Numa mão tinha moedas
E na outra tinha um gato.

- Imaginem, meus amigos,
Vejam só que sorte a minha:
Agora eu tenho sustento
Para minha vida inteirinha!
Eu não sei se por encanto,
Ou milagre verdadeiro,
Encontrei esse gatinho
Que é uma usina de dinheiro.
Esse gato é a sorte grande,
Quem tem ele não tem fome.
Apertando-lhe a barriga,
Bom dinheiro ele descome!

Coronel achou estranha
Toda aquela explicação.
Duvidou bem duvidado
E tirou satisfação:

- Isso para mim é papo
De sujeito trapaceiro.
Imagine se de um gato
Sai moeda do traseiro!
Um milagre desse jeito
É preciso ver pra crer.
Quero ver como é que pode
O dinheiro aparecer!

Exibindo as dez moedas,
Malasartes abriu a mão
Para o homem ver de perto
Lá de cima do alazão.

- Não duvide, coronel,
Que o que eu conto seja um fato.
Veja só estas moedas
Que eu tirei aqui do gato.

E eu espero que o bichano
Tenha mais a oferecer.
Com um gato como este,
Bom dinheiro espero ter!

Coronel se interessou,
Mas fingiu que não ligava
E naquele disparate
Ele não acreditava:

- Um punhado de moedas
Qualquer um pode trazer.
O que eu quero é ver o gato
Mais dinheiro descomer.
Se eu não vir tirar do gato
As moedas lá do fundo,
É melhor levar daqui
Esse gato vagabundo!

Na barriga do bichano,
Pedro deu uma espremida
E do fiofó do gato
A moeda foi cuspida.

Assombrou-se o coronel,
E a surpresa foi geral:
- Esse gato é de espantar,
Maravilha sem igual!
Nunca mais vou ter problemas
Se esse gato eu possuir.
Quanto custa esse bichano?
Pago o que você pedir!

Mas o Pedro tinha um plano
E ele tinha de dar certo,
Era só continuar
Pois já estava quase perto.

- De dinheiro eu não preciso,
Nunca mais vou trabalhar,
Pois o gato me oferece
Tudo o que eu quiser comprar.
De uma vida bem melhor
Acho que estou no começo.
Me desculpe, coronel,
Mas gato não tem preço.
É tal qual o seu cavalo,
Com o garbo que ele tem.
Eu bem sei que vale muito
E não tem preço também.

Concluiu o coronel
Ter achado a solução,
E propôs trocar o gato
Pau a pau pelo alazão:

- Se uma coisa não tem preço
E uma outra também não,
É trocar elas por elas,
Sem qualquer hesitação!

Malasartes resistiu,
Fez-se um pouco de rogado,
Afirmando que ao bichano
Ele estava bem ligado.

Insistiu o coronel
Que a proposta era perfeita.
Malasartes concordou,
Logo a troca estava feita.

Cavalgou sem mais demora
O lindíssimo alazão
E foi devolver ao dono,
O compadre Jeromão.

Foi pra casa o coronel,
Aos pulinho de contente,
Pois sonhava que a fortuna
Já chegara, finalmente.

Espremeu o pobre gato,
Já que agora ele era seu.
Logo algumas moedinhas
O bichano descomeu.

Mas qual foi sua surpresa,
quando viu que do tal gato
Ouro não saía mais,
Só saía... desacato!

Apenas do cheiro,
De trabalho tão imundo,
Insistiu em procurar,
Com o dedo lá no fundo.

Já cansado dos maus-tratos,
De ser tanto aperreado,
O bichano deu um salto
E fugiu desesperado.

Desde então, o coronel
Ficou louco, há quem diga,
Procurando um gato preto
Pra apertar sua barriga.

Vive cheio de arranhões
E borrado por inteiro.
E se todos fogem dele
É por causa do mau cheiro...


BANDEIRA, Pedro. Malasaventuras : safadezas do Malasartes, 3ª ed. – São Paulo, 2003 - Editora Moderna

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