quarta-feira, 23 de julho de 2008

Você deve saber que o papagaio costuma repetir uma palavra que é seu próprio nome: “louro! Louro! Louro!” O escritor Marcos Rey imaginou um conto em que a origem desse hábito é explicada. Conheça-a, lendo “O papagaio acusador”.

O PAPAGAIO ACUSADOR

– Louro! Louro etc.
Claro, é um papagaio que está falando. O etc. também significa louro porque a maioria deles não sabe dizer outra coisa. Falam louro desde que nascem, como a gente que logo aprende a chamar papai e mamãe.
Até aí, bem. Mas por que – eis a questão – os papagaios vivem repetindo essa palavra e a tal ponto que louro passou a ser apelido deles? Vou comprar um louro. Não é um gênio o meu louro? Eu sei e mesmo se não soubesse contaria.
Atenção, pois: havia uma casa que tinha três empregados, um louro, um preto e um vermelho. E havia também um papagaio ainda mudo. A casa era bonita, porém o que mais chamava o interesse dos visitantes estava na parede. Um relógio grande, vistoso e dos antigos.
Um dia, (pode ser uma tarde) o relógio desapareceu.
– Roubaram o meu cuco! – exclamou a dona da casa. Vou chamar um detetive para prender o ladrão.
O detetive veio, ouviu o caso e pediu um minuto para esclarecer o mistério.
Acontece que o papagaio vira o empregado louro pegar o relógio e, forçando a garganta, falou pela primeira vez:
– Lou-ro! Lou-ro! Lou-ro!
Era uma acusação.
O empregado louro levou um susto daqueles, mas não tão grande que o impedisse de pensar. Espertíssimo, disse à patroa e ao detetive:
– Ouçam o que ensinei ao papagaio. Lou-ro! Lou-ro! Foi difícil. Tive que treiná-lo durante meses. Mas consegui.
Ambos ficaram maravilhados.
O papagaio, irritado com a malandragem do empregado, prosseguiu:
– Lou-ro! Lou-ro! Lou-ro!
A patroa encantada:
– Lou-ro! Lou-ro! Lou-ro!
O detetive (um bobão):
– Lou-ro! Lou-ro! Lou-ro!
Bem, mais tarde o relógio foi encontrado no quintal pelo próprio empregado ladrão, e ninguém foi preso. Mas o papagaio não se conformou. Continuou acusando. O filho, o neto, o bisneto e o tataraneto dele, há mil anos, ainda estão nessa: acusando o louro. Bichinho insistente, não?
Olhem; mesmo se não acreditarem nisso, espalhem. História só vira história depois que todos já conhecem.

Marcos Rey. Antologia de contos pediátricos. São Paulo; Laboratório Aché. 1980.

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