sexta-feira, 24 de abril de 2009

Que mistério é esse?

O MISTÉRIO DO COELHO PENSANTE


Jovens leitores

Esta história só serve para criança que simpatiza com coelho. Foi escrita a pedido-ordem de Paulo, quando ele era menor e ainda não tinha descoberto simpatias mais fortes. O mistério do coelho pensante é também minha discreta homenagem a dois coelhos que pertenceram a Pedro e Paulo,meus filhos. Coelhos aqueles que nos deram muita dor de cabeça e muita surpresa de encantamento. Como a história foi escrita para exclusivo uso doméstico, deixei todas as entrelinhas para as explicações orais. Peço desculpas a pais e mães, tios e tias, e avós, pela contribuição forçada que serão obrigados a dar. Mas pelo menos posso garantir, por experiência própria, que a parte oral desta história é o melhor dela. Conversar sobre coelho é muito bom. Aliás, esse “mistério” é mais uma conversa íntima do que uma história. Daí ser muito mais extensa que o seu aparente número de páginas. Na verdade só acaba quando a criança descobre outros mistérios.
C.L.

Pois olhe, Paulo, você não pode imaginar o que aconteceu com aquele coelho. Se você pensa que
ele falava, está enganado. Nunca disse uma só palavra na vida. Se pensa que era diferente dos
outros coelhos, está enganado. Para dizer a verdade, não passava de um coelho. O máximo que se pode dizer é que se tratava de um coelho muito branco.
Por isso tudo é que ninguém nunca imaginou que ele pudesse ter algumas idéias. Veja bem: eu
nem disse “muitas idéias”, só disse “algumas”. Pois olhe, nem de algumas achavam ele capaz.
A coisa especial que acontecia com aquele coelho era também especial com todos os coelhos do
mundo. É que ele pensava essas algumas idéias com o nariz dele. O jeito de
pensar as idéias dele era mexendo bem depressa o nariz. Tanto franzia e desfranzia o nariz que o
nariz vivia cor-de-rosa. Quem olhasse podia achar que pensava sem parar. Não é verdade. Só o
nariz dele é que era rápido, a cabeça não. E para conseguir cheirar uma só idéia, precisava franzir
quinze mil vezes o nariz.
Pois bem. Um dia o nariz de Joãozinho — era assim que se chamava esse coelho — um dia o
nariz de joãozinho conseguiu farejar uma coisa tão maravilhosa que ele ficou bobo. De pura alegria, seu coração bateu tão depressa como se ele tivesse engolido muitas borboletas. Joãozinho disse para ele mesmo:
— Puxa, eu não passo de um coelho branco, mas acabo de cheirar uma idéia tão boa que até
parece idéia de menino!
E ficou encantado. A idéia que tinha cheirado era tão boa quanto o cheiro de uma cenoura fresca.
Joãozinho começou então a trabalhar nessa idéia. E para isso precisou mexer tanto o nariz que
dessa vez o nariz ficou quase vermelho. Coelho tem muita dificuldade de pensar, porque ninguém
acredita que ele pense. E ninguém espera que ele pense. Tanto que a natureza do coelho até já se
habituou a não pensar. E hoje em dia eles todos estão conformados e felizes. A natureza deles é
muito satisfeita: contanto que sejam amados, eles não se incomodam de ser burrinhos.
Como eu ia contando, Joãozinho começou a trabalhar na idéia. A idéia era a seguinte: fugir da casinhola todas as vezes que não houvesse comida na casinhola.
Mas o problema era o seguinte: como é que ia poder sair lá de dentro?
A casinhola tinha grades muito estreitas, e joãozinho, além de branco, era gordo. É claro que não
podia passar pelas grades. O único modo de se abrir a casinhola era levantando o tampo. E
o tampo, Paulo, era de ferro pesado, só gente é que sabia levantar.
Durante dois dias Joãozinho franziu e desfranziu o nariz milhares de vezes para ver se cheirava a solução. E a idéia finalmente veio. Dessa vez, Paulo, foi uma idéia tão boa que nem mesmo criança, que tem idéias ótimas, pode adivinhar.
A idéia foi a seguinte: ele descobriu como sair da casinhola. E, se bem pensou, melhor
fez. De repente os donos do coelho viram o coelho na calçada, gritaram, correram atrás dele,
chamaram as outras crianças da rua — e todas juntas cercaram Joãozinho e finalmente conseguiram prendê-lo de novo.

Você na certa está esperando que eu agora diga qual foi o jeito que ele arranjou para sair de lá.
Mas aí é que está o mistério: não sei!
E as crianças também não sabiam. Porque, como eu lhe disse, o tampo era de ferro pesado. Pelas
grades? Nunca! Lembre-se de que Joãozinho era um gordo e as grades eram apertadas.
Enquanto isso, as crianças, que não têm natureza boba, foram notando que o coelho branco só
fugia quando não havia comida na casinhola. De modo que nunca mais se esqueceram de encher o
prato dele. E a vida, para aquele coelho branco, passou a ser muito boa. Comida era o que não lhe
faltava.
LISPECTOR, Clarice. O mistério do coelho pensante. 2ª ed. Rio de Janeiro, Rocco, 1976. p. 3-4 (Adaptação)
Mergulho no texto:
1. O coelho guardava consigo um mistério. Qual?
2. O coelho teve uma ideia; a ideia trouxe um problema; o problema trouxe uma solução.
a) Qual foi a ideia?
b) Qual foi o problema?
c) Qual foi a solução?
3. Para conseguir seu objetivo, o coelho fugia todas as vezes que não havia comida na casinhola. Afinal, qual era o objetivo de Joãozinho?
4. Releia a seguinte frase do 3º parágrafo do texto:
"Por isso tudo é que ninguém nunca imaginou que ele pudesse ter algumas ideias."
Ao iniciar o parágrafo com "por tudo isso", a autora está nos dizendo que é por causa de duas razões: a primeira razão é que o coelho não falava.
Encontre agora qual é a segunda razão.
5. A autora diz que os coelhos t~em dificuldade de pensar; leia as afirmativas a seguir e circule aquela que diz por que os coelhos têm essa dificuldade.
a) Ninguém acredita nem espera que eles pensem.
b) São conformados e felizes.
c) Só querem ser amados.
d) Não se importam de ser burrinhos.
6. Observe a frase:
"A ideia que (o coelho) tinha cheirado era tão boa quanto o cheiro de uma cenoura fresca."
Explique a comparação feita pela autora na frase acima.

Nenhum comentário: