terça-feira, 30 de junho de 2009

Como ser brasileiro em Lisboa sem dar (muito) na vista


Sim, eu sei que não será culpa sua, mas, se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis "águas de bacalhau ". Está vendo? Você já começou a não entender. O fato é que, como dizia Mark Twain a respeito da Inglaterra e dos Estados Unidos, também Portugal e Brasil são dois países separados pela mesma língua. Se não acredita, veja só esses exemplos.(...)

Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranquilamente pela estrada Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso: “Cuidado com as bermas". Eles ficaram assustados – que diabo seria berma? Alguns metros à frente, outro aviso: "Cuidado com as bermas". Não resistiram, pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranquilos quando souberam que berma era o acostamento.

Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos – peça para ver os fatos, paletó é casaco. Meias são peúgas, suéter é camisola – mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas . (Não é uma delícia?). Pelo mesmo motivo, as fraldas de crianças são chamadas cuequinhas de bebé. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer . Pasta de dentes é dentífrico. Ventilador é ventoinha. E no caso (gravíssimo) de você ter de tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer porque é feio.

As maiores gafes de brasileiros em Lisboa acontecem (onde mais?) nos restaurantes, claro. Não adianta perguntar ao gerente do hotel onde se pode beliscar alguma coisa, porque ele achará que você está a fim de sair aplicando beliscões pela rua. Pergunte-lhe onde se pode petiscar. Os sanduíches são particularmente enganadores: um sanduíche de filé é chamado de prego; cachorros-quentes são simplesmente cachorros. E não se esqueça: um cafezinho é uma bica; uma média (café com leite) é um galão, e um chope é uma imperial. E, pelo amor de Deus, não vá se chocar quando você tentar furar uma fila e algum gritar lá de trás: "O gajo está a furar a bicha!" Você não sabia, mas em Portugal chama-se fila de bicha. E não ria.

Ah, que maravilha o futebol em Portugal! Um goleiro é um guarda-redes. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada – ou seja, camisa vermelha. Gol é golo. Bola é esférico. Pênalti é penálti. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se alejou, mesmo que se recupere com uma simples massagem. Gramado é relvado, muito mais poético, não é?(...)

Para se entender as crianças em Portugal, pedagogia não basta. É preciso traçar também uma outra linguística. Para começar, não se diz crianças, mas miúdos. (Não confundir com miúdos de galinha, que são chamados de miudezas. Os miúdos da galinha portuguesa são os pintos). Quando um guri inferniza a vida do pai, este não o ameaça com a tradicional "Dou-lhe uma coça!", mas com "Dou-te uma tareia!", ou então com o violentíssimo "Eu chego-te a roupa à pele!"
Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se: "Não gramo aquele gajo". Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer: "Estou-me nas tintas", ou então: "Estou-me marimbando" (...) Um homem bonito, que as brasileiras chamariam de gato, é chamado pelas portuguesas de pessegão. E uma garota muito linda (um avião) é, não sei por quê, um borrachinho.

Mas o meu pior equívoco em Portugal foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria: "Podem me mandar um bombeiro para consertar a descarga da privada"? O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia ter dito: "Ó pá, manda um canalizador para reparar o autoclisma da retrete".

(Castro Ruy "Como ser brasileiro..." Viaje bem revista de bordo da VASP, ano Vlll n.3/78)

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