terça-feira, 4 de agosto de 2009

Balada da neve

Batem leve, levemente,
como quem chama por mim.
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim...


É talvez a ventania:
mas, há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho...


Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.


Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria...
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!


Olho-a através da vidraça:
Pôs tudo da cor de linho;
Passa gente, e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho.


Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança...


E descalcinhos, doridos...
a neve deixa ainda vê-los:
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!...


Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...


Uma infinita tristeza
e uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na natureza...
- e cai no meu coração.


Augusto Gil. In: Henriqueta Lisboa. Antologia escolar de poemas para a infância. Rio de Janeiro, Ediouro. pp. 64-65.

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