sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Cinquenta e seis dias no oceano Atlântico. Amyr ultrapassa metade do percurso. Tempo de pensar. Estaria Amyr sentindo solidão?...

No domingo, 5 de agosto, completava a oitava semana no mar. Finalmente eu passei a metade da distância entre o ponto de partida e a costa do Brasil. Meio Atlântico estava cumprido. E decidi, após o expediente, fechar para balanço. Esse tinha sido um momento ansiosamente aguardado. Até então eu contava as frações da viagem: um quinto, um quarto, um terço. Mas agora era diferente. Metade! Deveria me sentir na descida final, mas infelizmente não havia descida nenhuma à minha frente, só mar. Percebi que só estaria na reta final quando realmente estivesse ganhando latitude e indo para o sul; até então, em nenhum dia eu deixara de ir para o norte... Estava acima de Salvador e deveria continuar subindo por talvez mais uma semana.

Estava, sim, feliz, porque após tanto tempo e metade do meu sonho realizado, ao invés de cansado ou desesperado para chegar, estava animado e extraordinariamente mais disposto do que quando partira de Lüderitz. Sempre pensava em chegar, mas de uma forma distante e vaga. Agora as coisas mudavam: em vez de contar as milhas que já cumprira, contaria as que faltavam. Era muito diferente. Do ponto de vista técnico, a metade era ainda mais importante. Pude enfim avaliar a precisão logística na preparação dos equipamentos e suprimentos.

Água, alimentos, gás, havia ainda com sobra para concluir a outra metade. Peças de reposição, oficina, farmácia, intactas. Quebras de material, desgaste, não havia. Fantástico! Tudo exatamente como previra, até mesmo um pouco melhor. A saúde estava perfeita. Nenhum incidente. Nem mesmo espinha, furúnculo ou qualquer tipo de problema com a pele, olhos ou sistema digestivo, tão comuns em longas permanências no mar. (...)

Mas a mais extraordinária emoção foi a certeza de que eu seria perfeitamente capaz de repetir o que fora feito até então. Distante de qualquer ponto, duas eternidades me separavam da terra. Uma, que deixava para trás, árida e assustadora; outra, que ganhava pela frente, maravilhosamente clara e azul. Sem dúvida, muitas surpresas ainda me aguardavam, mas, diante dos apuros por que já passara, nada poderia ser tão difícil. Situações que por nada no mundo enfrentaria novamente. No mar? Não! No mar tudo ia bem. Mas ainda em terra, quando tinha o mar pela frente, as coisas eram diferentes. (...)

Passados dois meses de tantas histórias, comecei a pensar no sentido da solidão. Um estado interior que não depende da distância nem do isolamento, um vazio que invade as pessoas e que a simples companhia ou presença humana não podem preencher, solidão foi a única coisa que eu não senti, depois de partir. Nunca. Em momento algum. Estava, sim, atacado de uma voraz saudade. De tudo e de todos, de coisas e pessoas que há muito tempo não via. Mas a saudade às vezes faz bem ao coração. Valoriza os sentimentos, acende as esperanças e apaga as distâncias. Quem tem um amigo, mesmo que um só, não importa onde se encontre, jamais sofrerá de solidão; poderá morrer de saudades, mas não estará só.

À medida que o tempo passava e a linha pontilhada na carta do Atlântico avançava em direção ao Brasil, em vez do peso do isolamento eu sentia o conforto e o apoio de pessoas que, sabia, estavam junto comigo, lado a lado, torcendo, rezando ou mesmo arrancando os últimos fios de cabelos, de preocupação.

E, isolado, também não estava. Ao redor, tudo era sinal de vida. Gaivotas e aves marinhas de todo tipo, as ondas com quem discutia, pilotos e fiéis dourados aumentando dia a dia. As imensas e amáveis baleias e mesmo os desagradáveis tubarões me faziam companhia. E, acima de tudo, havia o rádio e a formidável corrente de solidariedade que os colegas radioamadores mantinham acesa na ponta de suas antenas.

Tudo, menos solidão!

Amyr Klink. Cem dias entre céu e mar. 32ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 106-108.

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