12h35m: Alguns telhados já eram visíveis. E a espuma da arrebentação sobre os recifes também. O coração batia desesperado, a tensão era enorme. Logo estaria em cima deles. E, de repente... o barcoficou preso! Como? Não é possível! Não saía do lugar!
Equilibrando-me sobre o convés, fui gatinhando até a proa ver o que se passava: o leme estava enroscado numa rede de pesca. Deitado, tentei liberá-lo com o braço, mas não o alcancei. Apanhei, então, a bicheira que estava presa com os remos de reserva e soltei a rede. (...) Voltei ao trabalho mais nervoso ainda. Ao longe já se ouvia o barulho da arrebentação nos recifes. Por onde haveria uma passagem, se é que havia alguma?
Um estranho tuc-tuc... tuc-tuc-tuc... tuc... tuc... surgiu por trás. Infalível barulho que eu conhecia muito bem. Um antigo e persistente motor diesel de um cilindro, o mesmo que eu tinha na Rasa, se aproximava. Era um sofrido e minúsculo saveirinho com dois pescadores em cima e mais limo no casco do que uma plataforma submarina. Tonho das Neves e Tonho de Oliveiraeram seus nomes.
Chegaram perto, a uns quinze metros. O primeiro, segurando-se no toco que restara de um outrora mastro, e me olhando com um ar curioso e alegre, enquanto o segundo, enfurnado no motor fumacento, controlava a marcha lenta, berrou com força:
- Como foi a pescaria?
- Não estou pescando! - respondi, admirado com as rodelas de fumaça que subiam inteiras.
- De onde vem vindo, então? - insistiu.
- Venho da África! - exclamei.
- E onde fica essa praia?
Expliquei que era mais ou menos longe dali. O homem sorriu sem entender, com todos os dentes à mostra, e após me orientar sobre como encontrar a passagem nos recifes, pediu-me:
- Avisa o Doró que a gente só volta na sexta!
E eu parti na mais importante missão da minha vida: após cem dias completos, sem falar com alguém cara a cara, subitamente estava incumbido de levar um recado, em pessoa, para outro pescador que tampouco conhecia.A maré estava enchendo, e eu deveria tomar todo cuidado. O pescoço me doía de tanto remar com a cabeça virada, à procura da dita entrada. Vi algumas pessoas ao longe, na praia, um pouco ao sul, e rumei para ali. Grave erro. Já ouvindo o barulho das ondas, que por trás pareciam muito menores do que de fato eram, fui levantado por uma delas e levado em velocidade de encontro às pedras.
Não havia mais tempo para retornar. No meio das ondas e sobre perigosas pontas de recife procurei rápido uma mancha clara por onde pudesse passar, fazendo os remos envergarem de tanta força, e me preparei para atravessar com a onda seguinte. Duas testemunhas na praia acompanhavam à distância a mirabolante encrenca em que me metera. O barco levantou, partiu outra vez em velocidade e, após um levíssimo toque no pobre leme, entrou nas águas abrigadas, do lado de dentro dos recifes. Soltei a respiração, aliviado.
Eram exatamente 13hl0min, mas o porto onde estavam os outros barcos, na barra do rio Pojuca, ficava quinhentos metros ao norte, na direção do farol, e era ali, somente ali, que eu fundearia. Vinte minutos faltavam para a hora do comunicado. Correndo contra o relógio e desviando das pontas de recife, subi o canal sem tirar os olhos do relógio.
Às 13hl9min, alcancei o remanso da barra onde estavam sete barquinhos. Larguei os remos, voei para a âncora, encurtei o cabo e lancei-a em fundo de areia, a vinte metros da praia. ( ... )
Equilibrando-me sobre o convés, fui gatinhando até a proa ver o que se passava: o leme estava enroscado numa rede de pesca. Deitado, tentei liberá-lo com o braço, mas não o alcancei. Apanhei, então, a bicheira que estava presa com os remos de reserva e soltei a rede. (...) Voltei ao trabalho mais nervoso ainda. Ao longe já se ouvia o barulho da arrebentação nos recifes. Por onde haveria uma passagem, se é que havia alguma?
Um estranho tuc-tuc... tuc-tuc-tuc... tuc... tuc... surgiu por trás. Infalível barulho que eu conhecia muito bem. Um antigo e persistente motor diesel de um cilindro, o mesmo que eu tinha na Rasa, se aproximava. Era um sofrido e minúsculo saveirinho com dois pescadores em cima e mais limo no casco do que uma plataforma submarina. Tonho das Neves e Tonho de Oliveiraeram seus nomes.
Chegaram perto, a uns quinze metros. O primeiro, segurando-se no toco que restara de um outrora mastro, e me olhando com um ar curioso e alegre, enquanto o segundo, enfurnado no motor fumacento, controlava a marcha lenta, berrou com força:
- Como foi a pescaria?
- Não estou pescando! - respondi, admirado com as rodelas de fumaça que subiam inteiras.
- De onde vem vindo, então? - insistiu.
- Venho da África! - exclamei.
- E onde fica essa praia?
Expliquei que era mais ou menos longe dali. O homem sorriu sem entender, com todos os dentes à mostra, e após me orientar sobre como encontrar a passagem nos recifes, pediu-me:
- Avisa o Doró que a gente só volta na sexta!
E eu parti na mais importante missão da minha vida: após cem dias completos, sem falar com alguém cara a cara, subitamente estava incumbido de levar um recado, em pessoa, para outro pescador que tampouco conhecia.A maré estava enchendo, e eu deveria tomar todo cuidado. O pescoço me doía de tanto remar com a cabeça virada, à procura da dita entrada. Vi algumas pessoas ao longe, na praia, um pouco ao sul, e rumei para ali. Grave erro. Já ouvindo o barulho das ondas, que por trás pareciam muito menores do que de fato eram, fui levantado por uma delas e levado em velocidade de encontro às pedras.
Não havia mais tempo para retornar. No meio das ondas e sobre perigosas pontas de recife procurei rápido uma mancha clara por onde pudesse passar, fazendo os remos envergarem de tanta força, e me preparei para atravessar com a onda seguinte. Duas testemunhas na praia acompanhavam à distância a mirabolante encrenca em que me metera. O barco levantou, partiu outra vez em velocidade e, após um levíssimo toque no pobre leme, entrou nas águas abrigadas, do lado de dentro dos recifes. Soltei a respiração, aliviado.
Eram exatamente 13hl0min, mas o porto onde estavam os outros barcos, na barra do rio Pojuca, ficava quinhentos metros ao norte, na direção do farol, e era ali, somente ali, que eu fundearia. Vinte minutos faltavam para a hora do comunicado. Correndo contra o relógio e desviando das pontas de recife, subi o canal sem tirar os olhos do relógio.
Às 13hl9min, alcancei o remanso da barra onde estavam sete barquinhos. Larguei os remos, voei para a âncora, encurtei o cabo e lancei-a em fundo de areia, a vinte metros da praia. ( ... )
Amyr Klink. Cem dias entre céu e mar. 32ª Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 148-150.
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