sexta-feira, 27 de novembro de 2009

A procissão dos mortos
Cecília Pereira de Souza

Aqui em Jaraguá, no largo do Rosário, morava u’a mulher. Ela ficava sempre na janela para explorar a vida dos outros, para falar da vida alheia. Essa mulher só vivia falando, olhando, murmurando. Falava de um, de outro, de moça, de tudo.


Entardecia e ela continuava na janela. Chegava a noite, todo o mundo ia dormir, ela continuava lá, até a meia-noite, explorando o tempo.


Um dia, dizem, quando ela estava na janela, passou bem em frente uma procissão. Era uma procissão muito grande. Ela ficou olhando um, olhando outro, mas não reconheceu ninguém.


Quando, então, saiu dessa procissão u’a moça, chegou perto de sua janela e disse:


– Olha, dona, a senhora toma essas velas aqui. Eu quero que a senhora guarde elas pra mim até amanhã. Eu quero que a senhora me entregue elas amanhã, nessa mesma hora.


Ela recebeu as velas, mas ficou receosa, porque não estava reconhecendo ninguém daquela procissão.


Depois que a procissão acabou, foi olhar as velas e viu que aquilo era canela de defunto.


Era osso da canela de defunto.


Ela ficou muito nervosa e não conseguiu dormir a noite inteira, pensando naquilo, imaginando que tinha de devolver aqueles ossos.


Na noite seguinte, ficou lá na janela com as velas na mão. Quando veio a procissão, a moça que tinha entregado as velas aproximou-se dela e falou:


– Olha, escuta aqui. Isso aqui é uma procissão dos mortos. Essas velas são ossos de quem já morreu. Você não fique na janela mais, explorando a vida dos outros não, porque isso é muito feio, é muito ruim, é até pecado.



Transcrito de Ione M. O. Valadares (org), História popular de Jaraguá. Goiânia: CECUP/UFG, 1983. p.37.

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