quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Piratas sem piedade

Voltando das ilhas do Caribe, o pirata francês Jean-Thomas Dulaien comandava seus dois navios, que se chamavam Sem rumo e Sem piedade.

Na altura da linha do Equador, desviou-se rapidamente da rota programada e veio dar nas costas do Maranhão.

— Que sorte! — exclamou de repente. — [...]. Não acredito no que estou vendo. Vou procurar imediatamente um bom local para lançar âncora. Esta era a grande oportunidade que eu esperava na vida...

O que tanto encantava Dulaien era, na verdade, uma visão macabra. A poucas milhas do litoral, mas fora do alcance da vista de quem estivesse em terra, uma nau portuguesa, com a cruz-de-malta estampada em suas velas, estava adernada a estibordo. Com certeza, tinha sido atingida à noite por forte tempestade: seus mastros estavam partidos, o velame rasgado, o timão quebrado e, boiando no mar, nas proximidades do barco, havia corpos de marinheiros mortos.

Tudo isso, porém, não estava interessando a Dulaien: seus olhos brilhavam porque, do alto da gávea de seu barco, onde estava pendurado, ele já imaginava o carregamento da nau: sacos e arcas abarrotados de moedas e lingotes de ouro, dos quais poderia se apossar.

Tudo seria seu! Bastava chegar à nau antes que afundasse de vez e ordenar a seus homens que, cuidadosamente, a saqueassem.

E Dulaien estava certo. O feixe de luz que se espalhou ao se abrirem as portas dos porões do navio fez refulgir o ouro, que transbordava de sacos e mais sacos e se espalhavam pelo chão.

—Vamos, molengas, vamos ao saque! — gritou, animando seus homens. — O lucro é bom. Mas façam depressa, antes que essa banheira afunde!

Muito experientes em pilhagens, os piratas de Dulaien esvaziaram a nau em menos de uma hora. Quando a embarcação afundou, o Sem piedade já estava cheio de ouro, conforme as ordens do capitão.

—E agora, meus caros, vamos festejar! Tragam para este navio toda a comida e toda a bebida que houver no Sem rumo. A festa hoje vai ser aqui, ao lado de nossas riquezas.

—Mas é mesmo para levar tudo, capitão? Temos suprimento para toda a viagem de volta à França. É muita coisa, senhor.

—Não ouse contrariar minhas ordens, se não quiser ser trancado no porão a pão e água!

Os homens fizeram o que Dulaien mandou e, logo em seguida, os dois navios piratas rumaram para as proximidades de uma ilha. Ao cair da noite, os festejos a bordo: miais beberam do que comeram, fazendo tinir as moedas de ouro sobre a tosca madeira de grande mesa improvisada no convés.

Alta hora da madrugada, Dulaien sugeriu:

—Vamos todos para terra! Quero que meus homens descansem ao ar livre... [...]

Sem condições de discutir nada, os homens saíram nos botes, remando lentamente. O capitão pirata ia à frente: ao contrário de seus comandados, parecia sóbrio, forte, sem sono.

Duas horas depois, quando todos já dormiam, cobertos pelas estrelas e embalados pelo vinho, um barquinho afastou-se sorrateiramente da ilha, rumo ao Sem piedade: era Dulaien, que só, com todo o ouro, bem escondido no porões, fugia para a Europa. [...]

No dia seguinte, por volta do meio-dia, ao acordar, os marinheiros não tiveram outra opção. Voltaram ao Sem rumo e procuraram o porto brasileiro mais próximo. Para não morrer de fome e para poder voltar à Europa, tentaram saquear a cidade, mas foram presos imediatamente e trancafiados na mais subterrânea e escura masmorra.

E é bem provável que tenham morrido lá, pois quem iria salvá-los?

Suely Mendes Brazão. Contos de piratas, corsários e bandidos. São Paulo: Ática, 1992. P.21-24

GLOSSÁRIO

Adernado: inclinado, tombado.

Cruz-de-malta: símbolo do cristianismo, utilizado em navios portugueses.

Convés: piso ou pavimento de um navio.

Macabra: trágica

Masmorra: prisão.

Refulgir: brilhar intensamente.

Nau: grande embarcação.

Timão: roda ou volante com que se controla o leme.

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