quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Um cavaleiro andante que vivia num mundo de sonhos e seu fiel escudeiro resolveram, no século 17, caminhar pela Espanha à procura de aventuras. Essa história, a princípio simples, elevou seu criador ao posto de um dos maiores escritores da literatura mundial. Estamos falando do espanhol Miguel de Cervantes que, em 1605, escreveu o livro El ingenioso hidalgo Don Quijote de la Mancha (O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha)

Naquela época, os livros de cavalaria eram muito populares. Narravam histórias fantásticas, com personagens nobres, puros e que lutavam pelo amor, pela paz e pela justiça. Miguel de Cervantes resolveu inovar e criou um personagem que gostava demais de ler esses livros. Gostava tanto que enlouqueceu, a ponto de querer imitar os seus heróis. Assim nasceu Dom Quixote.

O texto que segue, de autoria do escritor gaúcho Moacyr Scliar, reconta essa história de um jeito diferente...

Uma história de Dom Quixote

Quando se fala num quixote, as pessoas logo pensam num desastrado, num sujeito que não consegue fazer nada direito; que tem boas ideias, mas sempre quebra a cara. E até repetem aquela história que o escritor espanhol Cervantes contou sobre Dom Quixote.

Ele era um daqueles cavaleiros andantes que usavam armadura, lança e escudo; percorria as planícies da Espanha num cavalo muito magro e feio, chamado Rocinante, procurando inimigos a quem pudesse desafiar em nome da moça que amava, e que ele chamava de Dulcineia. Pois um dia este Dom Quixote avistou ao longe uns moinhos de vento. Naquela época, vocês sabem, o trigo era moído desta maneira: havia um enorme cata-vento que fazia girar a máquina de moer. Pois o Dom Quixote viu, nesses moinhos, gigantes que agitavam braços, desafiando-o para a luta.

Sancho Pança, seu ajudante, tentou convencê-lo de que não havia gigante nenhum; mas foi inútil.

Dom Quixote estava certo de que aquele era o grande combate de sua vida. Empunhando a lança, partiu a galope contra os gigantes...

O resultado, diz Cervantes, foi desastroso. A lança do cavaleiro ficou presa nas asas do moinho, ele foi levantado no ar e depois jogado para longe. Para Sancho, e para todas as pessoas que ali viviam, uma clara prova de que o homem era mesmo maluco.

Essa era a história que Cervantes contava. Já meu tatara-tatara-tataravô, que também conheceu Dom Quixote, narrava o episódio de uma maneira inteiramente diferente. Ele dizia que, de fato, Dom Quixote viu os moinhos e que ficou fascinado com eles, mas não por confundi-los com gigantes. “Se eu conseguir enfiar minha lança naquelas asas que giram”, pensou, “e se puder aguentar firme, terei descoberto uma coisa sensacional”.

E foi o que ele tentou. Não deu completamente certo, porque nada do que a gente faz dá completamente certo; mas, no momento em que a asa do moinho levantava o Dom Quixote, ele viveu o seu momento de glória. Estava subindo, como os astronautas hoje sobem; estava avistando uma paisagem maravilhosa, os campos cultivados, as casas, talvez o mar, lá longe, talvez as terras de além-mar, com as quais todo mundo sonhava. Mais que isso, ele tinha descoberto uma maneira sensacional de se divertir.

É verdade que levou um tombo, um tombo feio. Mas isso, naquele momento, não tinha importância. Não para Dom Quixote, o inventor da roda-gigante.

SCLIAR, Moacyr. Vice-versa ao contrário. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 2001. p. 17-8.


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