Girafa
Leio que no
Jardim Zoológico há uma girafa, macho e triste, chamada Santoro, que matou a
companheira e, por sua vez, está morrendo de tristeza. Ao lado da notícia, uma
foto do animal: o pescoço infinito ergue contra as nuvens do céu uma cabeça de
fábula. É a própria imagem da solidão.
Todo homem
solitário é uma girafa. Perdoem se deliro, mas é. Como veem, discordo de Kafka,
que transformou um homem solitário em inseto. Há os que viram inseto, admito,
mas há os que atravessam as ruas vertiginosamente sós, com a cabeça nas nuvens.
Se ser solitário é ser girafa, o que não será uma girafa solitária?
Consulto o
fascinante livro Mamíferos, editado
pelo MEC, aprendo que nas horas de aflição as girafas gemem baixinho — é a sua
fala. E, para confirmar minha intuição, leio que, por ter pescoço tão comprido,
a girafa não consegue lamber o próprio corpo. É a companheira quem faz esse
serviço para ela. Quer dizer que uma girafa solitária não se basta, nem pra se
coçar. A forma diz tudo. O pescoço a distancia de si mesma. E penso com mais
pena ainda na girafa Inocêncio Santoro, só, no Jardim Zoológico, fitando por
cima das árvores um horizonte sem esperanças...
Mistura de
bicho e planta, a girafa é quase um ente mitológico. Com sua forma antiga e
onírica, ela parece vir de uma idade em que não apenas os homens, mas a própria
natureza gostava de sonhar.
(GULLAR, Ferreira. O menino e o
arco-íris. São Paulo: Ática, 2001. Págs. 90-92)
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