Tesouro
Onde tem formiga tem ouro – diziam os mais velhos. E essa afirmativa
fabulosa vinha-nos sempre à lembrança quando as formigas de asa, filhas do
Inverno, começavam a brotar das tábuas velhas do
assoalho. Cheguei mesmo a propor a meu pai que retirássemos as tábuas do quarto
e cavássemos o chão: o ouro compensaria o trabalho.
– Que ouro nada, menino! Aí
tem é aranha e barata.
Mas as lendas de tesouro
não nasceram sem razão: têm raízes profundas no homem. As crianças, que ainda
não têm do mundo uma visão tão dura e pobre, não desistem tão facilmente dos
tesouros ocultos. Nós lá de casa não desistimos.
Um belo dia, uma de minhas
irmãs sonhou que havia uma caixa de dinheiro enterrada no quintal. Uma voz lhe
dissera: “dê cinco passos a partir da mangueira na direção das bananeiras;
nesse ponto está o tesouro enterrado”.
Decidimos desenterrá-lo.
Tínhamos uma picareta e uma pá, que nos pareceram suficientes para realizar o
trabalho. Marcamos a direção, contamos os passos e começamos a cavar. Éramos
cinco, contando com a lavadeira, que foi convocada para o serviço
extraordinário. Nós nos revezamos e o buraco foi crescendo. Ao meio-dia, quando
entramos em casa para almoçar, nossa mãe levou um susto: tínhamos barro dos pés
às sobrancelhas. Depois do almoço, com o sol ainda quente, voltamos ao
trabalho. E cavamos sem interrupção até à hora do jantar.
Cavávamos e sonhávamos. A
dona do tesouro – a que ouvira a voz – prometia repartir as moedas entre todos.
A lavadeira teria também uma boa recompensa. Compraríamos roupas novas,
brinquedos, doces e daríamos uma festa com orquestra. De minha parte, entre
cético e fascinado, pensava apenas na descoberta: seria formidável que tudo
fosse verdade, que ali houvesse realmente uma caixa de moedas de ouro.
Os adultos de casa riram
muito de nós, à mesa do jantar. Mas ninguém sugeriu que interrompêssemos a
escavação. Além do mais, já encontráramos um indício: uma imagem de
alumínio representando São Jorge. Ali havia alguma coisa – estávamos convictos.
Cavamos noite adentro, à luz de velas.
A faina foi retomada na
manhã seguinte, bem cedo. É certo que, a essa altura, a pá e a picareta
doíam em nossas mãos cheias de bolhas d'água. O buraco já me batia
pela cintura. Em ritmo mais lento atravessamos este segundo dia e interrompemos
o trabalho ao anoitecer. Prometêramos continuar durante a noite, mas
estávamos exaustos e fomos dormir cedo.
O outro dia amanheceu
chovendo, e a chuva durou o dia todo. Não trabalhamos. Na manhã seguinte, o sol
se abriu, mas nosso entusiasmo já se tinha fechado. O buraco estava
cheio de água e era desagradável mexer com aquela lama.
Faz muitos anos que isso aconteceu.
O tempo deve ter fechado o buraco que nosso sonho abrira em vão. Mas aqueles
dois dias de trabalho em equipe valeram o ouro que não existia em nosso
quintal.
(GULLAR, Ferreira. O menino e o
arco-íris. São Paulo: Ática, 2001. Págs.15-16)
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