segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O ovo

Aquele restaurante era tão triste como a maioria desses pequenos restaurantes que, depois das sete da noite, dão de comer à fauna dos trabalhadores noturnos. Pessoas sozinhas em mesas de dois e quatro lugares, pessoas que são sempre as mesmas, àquela hora, mas que não se falam nem se cumprimentam. Comem em silêncio e vão embora. O ambiente era esse até que apareceu o homem do ovo, um sujeitinho magro de cara chupada.
– Já escolheu?
– Quero um ovo, mas nem cozido, nem frito, nem quente...
– Como?
– Quero um ovo entre cozido e quente, sabe? Nem muito mole, nem muito duro.
Era natural que a coisa não desse certo. O garçom pediu na cozinha "um ovo cozido mal passado". Trouxe-o para a mesa, o homenzinho olhou desaprovou com a cabeça: estava mole demais. O garçom desculpou-se e prometeu trazer outro ovo, no "ponto" exato. Trouxe. O homenzinho de novo desaprovou: estava duro demais. "Como hoje assim mesmo; amanhã, daremos jeito."
Na noite seguinte, disse ao garçom: "Avisa ao cozinheiro que deixe o ovo ferver durante três minutos e meio, nem mais nem menos". Mas ainda não era dessa vez que se atingiria o ideal. "Sei o que foi" – disse o freguês –, "ele pôs o ovo na caçarola antes da água ferver". O próximo ovo teria mais chance. "Lembre-se: três minutos e meio precisamente." O garçom explicou que não tinha relógio, o cozinheiro também não.
Veio o dono do restaurante. "Precisamos de alguém que controle o tempo de preparo de um ovo”, explicou-lhe o homenzinho. O dono controlaria. "Quando a água ferver, me avise e eu dou o sinal para colocar o ovo na panela. Nosso amigo fica observando o ponteiro de segundos, OK?"
A essa altura o restaurante parara para acompanhar a operação ovo. "Começou a ferver." "Pronto, ponha o ovo na panela." Durante três minutos e meio houve um silêncio total. "Pode tirar", gritou o patrão. E quando o garçom veio com o ovo, os fregueses rodearam a mesa do homenzinho, que já o descascava: "Ótimo".
E a partir desse dia, o restaurante ganhou outra vida: chegada a hora do ovo, todos paravam de comer e ficavam esperando. Nasciam discussões sobre o tempo exato para conseguir um ovo daqueles. "Seu relógio atrasa." "Nada disso, uso relógio de aviador." "Para ovo de casca pintada o tempo é três minutos e cinquenta e oito segundos." "É muito: três e cinquenta e sete." Mais tarde surgiram as apostas e dúzias de ovos eram devorados àquela hora. Em consequência disso, o restaurante prosperou e a freguesia engordou. Mas o homenzinho procurou outro restaurante onde pudesse controlar o tempo exato de seu ovo e comê-lo em paz.


(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo: Ática, 2001. pp. 51-53)

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