O ovo
Aquele restaurante era tão
triste como a maioria desses pequenos restaurantes que, depois das sete da
noite, dão de comer à fauna dos trabalhadores noturnos. Pessoas sozinhas em
mesas de dois e quatro lugares, pessoas que são sempre as mesmas, àquela hora,
mas que não se falam nem se cumprimentam. Comem em silêncio e vão embora. O
ambiente era esse até que apareceu o homem do ovo, um sujeitinho magro de cara
chupada.
– Já escolheu?
– Quero um ovo, mas nem cozido,
nem frito, nem quente...
– Como?
– Quero um ovo entre cozido e
quente, sabe? Nem muito mole, nem muito duro.
Era natural que a coisa não
desse certo. O garçom pediu na cozinha "um ovo cozido mal passado". Trouxe-o
para a mesa, o homenzinho olhou desaprovou com a cabeça: estava mole demais. O
garçom desculpou-se e prometeu trazer outro ovo, no "ponto" exato.
Trouxe. O homenzinho de novo desaprovou: estava duro demais. "Como hoje assim
mesmo; amanhã, daremos jeito."
Na noite seguinte, disse ao
garçom: "Avisa ao cozinheiro que deixe o ovo ferver durante três minutos e
meio, nem mais nem menos". Mas ainda não era dessa vez que se atingiria o ideal.
"Sei o que foi" – disse o freguês –, "ele pôs o ovo na caçarola
antes da água ferver". O próximo ovo teria mais chance. "Lembre-se: três
minutos e meio precisamente." O garçom explicou que não tinha relógio, o
cozinheiro também não.
Veio o dono do restaurante.
"Precisamos de alguém que controle o tempo de preparo de um ovo”,
explicou-lhe o homenzinho. O dono controlaria. "Quando a água ferver, me
avise e eu dou o sinal para colocar o ovo na panela. Nosso amigo fica
observando o ponteiro de segundos, OK?"
A essa altura o restaurante
parara para acompanhar a operação ovo. "Começou a ferver." "Pronto,
ponha o ovo na panela." Durante três minutos e meio houve um silêncio
total. "Pode tirar", gritou o patrão. E quando o garçom veio com o
ovo, os fregueses rodearam a mesa do homenzinho, que já o descascava:
"Ótimo".
E a partir desse dia, o
restaurante ganhou outra vida: chegada a hora do ovo, todos paravam de comer e
ficavam esperando. Nasciam discussões sobre o tempo exato para conseguir um ovo
daqueles. "Seu relógio atrasa." "Nada disso, uso relógio de
aviador." "Para ovo de casca pintada o tempo é três minutos e
cinquenta e oito segundos." "É muito: três e cinquenta e sete."
Mais tarde surgiram as apostas e dúzias de ovos eram devorados àquela hora. Em
consequência disso, o restaurante prosperou e a freguesia engordou. Mas o homenzinho
procurou outro restaurante onde pudesse controlar o tempo exato de seu ovo e comê-lo
em paz.
(GULLAR, Ferreira. O menino e o arco-íris. São Paulo:
Ática, 2001. pp. 51-53)
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